De blockbusters e filmes B

13 de abril de 2023

E lá está o herói do filme naquela enrascada gigante, cercado pelo perigo, sozinho, mas com sua mochila. Dentro da mochila, as indefectíveis bananas de dinamite, que resolvem de caverna desmoronada a carro do inimigo, passando por ponte sobre o desfiladeiro e rio com jacarés.

Mas falta um isqueiro, uma caixa de fósforos. Nada daquelas pedras de fazer fogo, as pedras de carbureto. 

A culpa poderia ser da equipe de produção ou do assistente do ator que interpreta o herói, mas, neste caso, é mesmo uma falha do roteiro que, antigo, pouco inspirado, mal escrito e todo remendado, não incluiu um jeito de fazer fogo para o nosso herói acender o dinamite. 

Poderia ser um blockbuster, mas está condenado a ser um filme B por conta de um roteiro ruim, que os autores se recusam a deixar que outros participem e melhorem. Pode ser ciúme, pode ser birra, pode ser uma visão de mundo que já não cabe. É difícil saber.

As cidades, quem diria, também tem cada uma seu roteiro, o Plano Diretor.

No urbanismo e no planejamento urbano, uma cidade será tão melhor quanto o seu Plano Diretor for. Um “roteiro” bom propiciará um crescimento ordenado onde a infraestrutura e o transporte público de qualidade sempre venham juntos, com vitalidade, e sem abandono e degradação das áreas centrais.

Um “roteiro” ruim proporcionará, bem… olhe em volta e veja você mesmo.

Paris teve um “roteiro” médio até que o Barão Haussmann desse uma incrementada, ainda em 1850. Barcelona também não enchia as salas de cinema até que, para receber as Olimpíadas de 1992, resolveu tirar a poeira e rever passagens ruins de seu “roteiro”. Sucesso de crítica e público desde então e modelo que vive sendo (com maior ou menor competência, normalmente com menor competência) copiado desde então.

Amsterdã teve mais sorte e, mesmo com um “roteiro” competente há mais de 400 anos, continua lapidando seu “roteiro”, recentemente adaptando sua infraestrutura para as bicicletas, ao invés dos carros. A lista é longa, e a maior parte delas em solo europeu.

Assim como num roteiro pobre, um Plano Diretor pode ser ruim em quase tudo, começando por uma abordagem impregnada de ideologia, passando por tolices românticas, e avançando sobre direitos individuais, tolhendo iniciativas e achando que tem como papel maior controlar e regular.

Não é. O papel maior é disciplinar, para promover e direcionar o desenvolvimento segundo sua visão, mas jamais tolher ou limitar, porque o desenvolvimento é como água morro abaixo: você direciona e orienta, mas não consegue parar (ao menos não por muito tempo).

Se limitar e tolher demais, a produção cai, o estoque encarece e o desenvolvimento sai em busca de outras paragens menos restritivas. 

Não é difícil de entender.

Baixos coeficientes prejudicam e inibem as melhores soluções e estimulam a inflação na moradia, mas há outros vilões igualmente perigosos neste roteiro ruim: os afastamentos frontal, lateral e de fundos, que comprometem lotes, desperdiçam infraestrutura já implantada e oneram o custo das unidades produzidas.

Talvez seja uma óptica diferente, ou prioridades diferentes, mas a existência e obrigatoriedade dos afastamentos frontal, lateral e de fundos colocam em campos opostos a cidades com “roteiros blockbuster” e histórias de grande sucesso e vitalidade, com a maior parte das cidades brasileiras.

Estamos, portanto, nós e os europeus, em campos opostos quando se trata de vitalidade das cidades, qualificação das áreas centrais, andabilidade, transporte público, fachadas ativas, limpeza e segurança.

Se é verdade que aprendemos e nos inspiramos com a experiência vivida pelo outro, é uma pena constatar que a experiência europeia não nos sirva de exemplo, já que os Planos Diretores das nossas cidades negam, de forma constrangedora, a experiência (muito) bem sucedidas das cidades europeias.

Para ficar apenas em um dos parâmetros “basilares” e — aparentemente — intocáveis de nossas legislações, os afastamentos frontal, lateral e de fundos que, ao mesmo tempo, inibem uma fachada ativa interessante, comercialmente interessante e trazendo os “olhos da rua” para a calçada e a rua. 

Pobre Jane Jacobs que, a despeito da genialidade e das inúmeras provas e constatações de suas teses, não tem vez nas cidades brasileiras (em Belo Horizonte certamente).

Mas não são apenas Jane Jacobs e sua tese sobre os “olhos da rua” as vítimas da vez; sofrem também o tamanho do estoque de apartamentos, o preço sempre crescente das unidades, sofre a infraestrutura que poderia servir ao dobro ou triplo de pessoas, cada vez mais “privatizada” por poucos usuários, sofre a segurança, sofre a comunidade, sofrem as ruas e os bairros.

Mais do que condenar os produtores ao fracasso, um roteiro ruim, neste caso, condena também os espectadores que foram ao cinema.

Quem diria?

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR e fundador do INSTITUTO CALÇADA. Acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou. ([email protected])
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