Curitiba (PR) e Natal (RN): metrópoles adaptadas às mudanças climáticas?

14 de dezembro de 2023

Meu Deus, que calor!

Nas últimas semanas foram registradas temperaturas atipicamente altas em várias partes do Brasil, quebrando inclusive alguns recordes. Descontadas as causas conjunturais da onda de calor, resta ainda uma constatação científica importante: nas décadas futuras, eventos climáticos desafiadores tendem a se multiplicar em quantidade e a aumentar em intensidade. 

E se este calor escaldante for uma prévia das novas condições climáticas que enfrentaremos com o passar dos anos?! Estamos abordando a questão com a devida seriedade ou apenas agindo com otimismo inconsequente? Tentemos responder olhando para onde mais importa: nossas cidades de grande porte.

Adaptação Climática: experiências em Curitiba (PR) e Natal (RN)

Calor extremo não é a única consequência negativa das mudanças climáticas. Outras emergências com impactos socioambientais, como enchentes, secas e tempestades, também são produzidas pelas alterações que, segundo as evidências científicas mais validadas, a humanidade tem produzido sobre o clima global. 

Em artigos anteriores, discutimos estratégias de governança e inovação das cidades tanto em matéria de tecnologia (smart cities) quanto de sustentabilidade estrita (adaptação climática). Nos dois casos, procura-se compatibilizar operações urbanas eficazes com as necessidades da população e do meio ambiente – em face da rápida digitalização da vida e do crescente impacto de nossas comunidades sobre a natureza e seus recursos.

A adaptação climática consiste em antecipar os possíveis impactos das mudanças climáticas e reduzir as vulnerabilidades e riscos associados a cada impacto. Nossa discussão anterior agora permite examinar o arcabouço institucional voltado à adaptação climática em Natal (RN) e em Curitiba (PR). 

Natal não apresentava, até 2022, uma política municipal de mudanças climáticas, o que sugere a baixa preocupação de gestores públicos com a temática. Embora exista um Comitê Municipal sobre Mudanças Climáticas e Ecoeconomia Sustentável, não há evidências de continuidade de suas atividades. A expansão urbana desordenada era limitada principalmente pela existência de 10 Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs).

Em 2021 a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB) criou o Setor de Mudanças Climáticas, Arborização e Áreas Verdes (SMCA), e só em 2022 o Plano Diretor de Natal (PDN-2022) determinou a elaboração do Plano Municipal para Mudanças Climáticas (PMMC), inserindo formalmente o tema da adaptação climática no planejamento urbano local. Entretanto, autores como Teixeira, Pessoa e Dias (2022) sugerem que intervenções concretas ainda são escassas.

Figura 1. Natal tem o segundo maior parque urbano de Mata Atlântica do país, o Parque das Dunas. Foto: Canindé Soares

Natal também não dispõe de inventário local de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). E há somente um mapeamento de suas áreas de risco: o Plano Municipal de Redução de Riscos, desatualizado há vários anos – o que prejudica os planos de contingência de desastres socioambientais. Positivamente, a gestão urbana natalense possui capacidades técnicas associadas ao sistema de monitoramento e alertas de desastres, em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN). 

Já Curitiba incorporou a adaptação climática ao planejamento urbano há mais tempo, considerando-a área estratégica do plano diretor já em 2014 e aprovando em 2020 o Plano de Adaptação e Mitigação das Mudanças Climáticas de Curitiba (PlanClima). 

Em 2021, a Prefeitura e o SENAI/PR, via Observatório Sistema Fiep, iniciaram o projeto de construção do Painel de Indicadores de Mudança do Clima de Curitiba, implementado em março de 2022, contando com a parceria da Google e do Local Governments for Sustainability (ICLEI). O objetivo é subsidiar, com dados de qualidade e periodicamente atualizados, a implementação de políticas públicas climáticas.

Figura 2. Estiagem na represa do Passáuna. Curitiba, 07/05/2020. Foto: Pedro Ribas/SMCS

À diferença de Natal, a cidade conta com inventário local de emissão de GEE. O primeiro é de 2011. A atualização mais recente, divulgada em 2023, se refere ao período 2005-2019. Finalmente e ainda em contraste com a capital potiguar, Curitiba realiza a Avaliação de Vulnerabilidade Ambiental e Socioeconômica, que também mapeia as potencialidades ambientais e socioeconômicas da cidade.

Na balança…

Curitiba está claramente mais empenhada que Natal quando o assunto é adaptação climática, mas não é isso o que importa: a timidez das políticas públicas climáticas natalenses sugere que o assunto ainda precisa ser amplamente explorado e desenvolvido, apesar de já estar à frente de diversas outras cidades brasileiras. 

É excessivamente otimista mudar tão pouco e imaginar que as consequências não virão – ou que serão insignificantes. Tomara que a onda de calor nos traga de brinde uma onda de lucidez. Enquanto isso, alguém liga esse ar-condicionado, por favor!

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta e urbansita, especialista em Gestão de Projetos e mestre em arquitetura pela UFRN. Atualmente é sócia da PSA Arquitetura em São Paulo e da PYPA Urbanismo & Desenvolvimento Urbano em Natal-RN. ([email protected])
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