Conhecemos espaços públicos antirracistas e antimachistas

24 de abril de 2024

Jacareí mostra como a representatividade afrodescendente e indígena nos espaços públicos combate o racismo, promove a educação e contrapõe as homenagens a colonizadores, que predominam nas nossas cidades.

Imagine caminhar por uma cidade no Vale do Paraíba (SP), que foi uma das maiores regiões cafeeiras na época escravocrata, e se deparar com um mural que relembra a festa da abolição e mostra personalidades negras. Fomos conhecer de perto o projeto Caminhos Ancestrais, em Jacareí (SP) – cidade com 240 mil habitantes e a 80 km de SP – que recebeu menção honrosa no Prêmio Cidade Caminhável 2023 por seu pioneirismo em integrar raça e caminhabilidade. Fomos guiadas por duas mulheres inspiradoras que encabeçaram o projeto: Girlaine Dias e Ivani Melo, Subsecretária e Assessora da
Secretaria de Igualdade e Direitos Humanos.

O projeto piloto teve seu início em 2019, com o Parque Linear do Cassununga – nome tupi-guarani dado a uma vespa. Desde então, algumas áreas foram requalificadas com mobiliário urbano, equipamentos de esporte e lazer, e murais e nomeação de personalidades negras. Em 2025, está prevista a entrega da praça Carolina Maria de Jesus. Os projetos são realizados com recursos do Fundo Urbano, formado por outorga onerosa, e com articulação de secretarias como educação, mobilidade urbana, governo e planejamento.

Conhecemos o Largo da Liberdade, onde o Monumento aos Abolicionistas de Jacareí, criado pelo coletivo Negro Muro, narra a libertação das pessoas escravizadas em 18 de Março de 1888, antes da abolição nacional. A pintura é uma representação da festa que tomou conta do Largo, e há um desenho fiel da página publicada no maior veículo de informação da imprensa abolicionista do estado. Estão representadas personalidades da cultura afro-brasileira de Jacareí, como a Ialorixá Mãe Dorinha; o mestre capoeirista Paulo dos Anjos; o judoca Paulo Graça; o professor de dança Seu Nego; e a benzedeira Maria Libinita de Carvalho. Todos têm camélias desenhadas nas roupas, flor símbolo abolicionista e que foi plantada na praça, onde há uma estátua de duas mãos quebrando uma corrente. 

Foto: Instituto Caminhabilidade
Monumento aos Abolicionistas de Jacareí. Foto: Instituto Caminhabilidade

Visitamos a Praça Dito Preto, em homenagem ao fundador da Escola de Samba Unidos de Santa Helena, que fica no local onde era a sua casa e que tem um mural seu. Também fomos ao Jardim do Marquês, onde grande parte das ruas têm nomes de aristocratas portugueses, e testemunhamos a requalificação com urbanização das ruas e a criação de três espaços públicos que homenageiam personalidades pretas: o Jardim de Marielle Franco; a Praça de Esporte Sensei Paulo Graça, judoca que manteve projeto na cidade; e a Praça Luiz Gama, advogado autodidata, que conquistou legitimamente a liberdade de mais de 500 pessoas escravizadas no Brasil.

Mulheres da equipe do Instituto Caminhabilidade e Girlaine Dias e Ivani Melo, da Subsecretaria de Igualdade e Direitos Humanos. Foto: Instituto Caminhabilidade

O desenvolvimento urbano no Brasil reflete uma narrativa colonial e de apagamento cultural dos povos indígenas e negros. Em São Paulo, por exemplo, 74% das esculturas representam pessoas brancas, 5,5% negras e 2% indígenas, das quais 83% representam homens e 9% mulheres (Instituto Pólis). 

Jacareí serve como exemplo de representatividade e resistência antirracista e feminista nos espaços públicos, tema que avaliamos em metodologias de análise dos espaços públicos para considerar se há caminhabilidade, e que recomendamos a implementação a curto prazo para fazer cidades mais acolhedoras para mulheres e meninas, principalmente negras e indígenas. Ao requalificar áreas públicas e homenagear personalidades negras e indígenas, o Caminhos Ancestrais desafia a narrativa colonial que permeia nosso desenvolvimento urbano, criando novas referências para o agora e para as gerações futuras. Há esperança de cidades antirracistas e caminháveis! 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Organização liderada por mulheres, movida pela urgência de alcançar a equidade de gênero e enfrentar a crise climática, desenvolve cidades caminháveis com o protagonismo da cidadania. ([email protected])
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