Big Data, IA, dashboards, aplicativos, equipamentos inteligentes e conectados? Para quem não entendeu a indagação, explico. Circularam faz um tempo pelas redes sociais diversos memes com imagens de grandes construções antigas, como as pirâmides do Egito ou os aquedutos romanos, nos quais se questionava, ironicamente, como elas foram feitas sem reunião no Teams, uso de IA, Trello, planilha de Excel com custos, etc.
Achei a provocação oportuna também para refletirmos sobre as grandes cidades brasileiras. Afinal, nestes tempos de euforia tecnológica, em que o conceito de smart cities ganha cada vez mais relevância nos debates sobre as cidades do futuro – e os investimentos em soluções tecnológicas ganham cada vez mais espaço nos orçamentos municipais –, os memes me fizeram pensar sobre dois pontos em particular.
O primeiro deles é que temos muito a reaprender com as cidades mais antigas, que se desenvolveram muito antes desta revolução tecnológica – e antes, principalmente, do predomínio do automóvel – e mantiveram características que proporcionam excelente qualidade de vida a seus habitantes.
Além disso, parte da solução para os nossos problemas urbanos passa não somente por reaprender com as cidades do passado, mas também por aproveitar melhor as áreas mais antigas das grandes cidades, dotadas de qualidades que precisam ser redescobertas e valorizadas.
Centros históricos costumam ser áreas com maior qualidade urbanística, ricas em infraestrutura, mas que sofrem atualmente com abandono, prédios ociosos e baixa densidade populacional. Por mais caro e complexo que possa parecer recuperar prédios antigos e reocupar essas áreas ociosas, os custos podem ser mais do que compensados pela economia com investimentos em infraestrutura e redução de externalidades negativas (emissão de poluentes de automóveis, novas construções e tempo perdido em congestionamentos, para citar alguns exemplos).
Além disso, chega a ser irônico ver cidades brasileiras empenhando grandes esforços e recursos em soluções baseadas em tecnologias de ponta quando ainda não contam nem com calçadas decentes. Semáforos inteligentes são apresentados como uma panaceia para o problema dos congestionamentos, sendo que qualquer solução para o problema parece passar necessariamente por incentivos à mobilidade ativa e ao transporte público de massa, que perderam espaço com a expansão da frota de automóveis ao longo do século 20.
Câmeras de vigilância e inteligência artificial se espalham por ruas dominadas por muros altos, sem comércio, com poucas pessoas circulando a pé – onde não há, portanto, os famosos “olhos da rua”. Fala-se em soluções tecnológicas para os problemas do aquecimento global, enquanto a legislação ainda favorece o envidraçamento de varandas ao invés de valorizar brises e ventilação natural. Enquanto os automóveis seguem como prioridade no planejamento urbano. Enquanto o ritmo de plantio de árvores nas calçadas mal parece suficiente para repor as tombadas a cada nova tempestade.
Soluções complexas e tecnológicas são empolgantes, mas, via de regra, o que parece tornar as cidades mais agradáveis são elementos muito menos “tecnológicos” como arborização, calçadas largas e regulares, comércio de rua, gente caminhando, transporte público eficiente, fachadas atrativas, vigilância natural, boa iluminação, espaços públicos limpos e bem cuidados – elementos estes já observados há muito tempo em cidades que se destacam pela qualidade de vida que oferecem a seus habitantes.
Não quero aqui menosprezar a importância dos avanços tecnológicos para a gestão pública, mas de nada adiantarão os altos investimentos em tecnologia se não formos capazes de criar cidades mais compactas e sustentáveis, com vida na rua e predomínio da mobilidade ativa e do transporte público de massa, aproveitando para isso tudo o que já foi construído no passado, em especial nas áreas centrais.
Muito mais do que fé em utopias tecnológicas, talvez precisemos apenas de coragem para priorizar essas soluções mais “simples”, que talvez não sejam tão chamativas nas propagandas eleitorais, mas que já são adotadas há muito tempo mundo afora e geram benefícios amplamente reconhecidos para a qualidade de vida nas cidades.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.