Como é andar pelas cidades brasileiras sendo mulher?

27 de março de 2024

Você está andando em alguma rua deserta na sua cidade e, de repente, escuta passos atrás de você. Se você é uma mulher, quase certeza de que vai torcer – e muito – para que não seja um homem vindo atrás de você. Neste momento, passam várias coisas na cabeça: Como eu fujo dessa situação? Se eu gritar, alguém vai escutar? Será que serei assaltada ou agredida? E se eu for estuprada? Quem vai cuidar dos meus filhos e parentes se eu não estiver mais aqui? 

O machismo e o patriarcado estruturais fazem com que a presença das mulheres nas ruas seja sempre acompanhada da sensação de insegurança e vulnerabilidade. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva e Patrícia Galvão, 71% das mulheres já vivenciaram pessoalmente ao menos uma situação de violência enquanto estavam a pé, sendo o estupro e o assalto os crimes mais frequentemente relatados. Além disso, mulheres negras são a maior parte das vítimas: 56% relatam já terem sido vítimas de estupro, 34% de assalto/furto/sequestro relâmpago, e 56% de racismo enquanto estavam a pé. 

Por isso, não é de se surpreender que 9 em cada 10 mulheres afirmam que a segurança é a sua principal preocupação enquanto se deslocam pela cidade, e que 8 em cada 10 consideram que os espaços públicos são mais perigosos para as mulheres do que para os homens.

No entanto, embora tenham seus movimentos limitados pelo medo, a maioria das mulheres não tem escolha e precisa se deslocar por causa do seu papel de cuidado (trabalho não remunerado) com a casa, com os filhos, idosos e outros familiares e, por isso, são as que mais caminham nas cidades brasileiras, como mostram os dados:

Mapa: Instituto Caminhabilidade

Por causa desse papel social, seus trajetos são bem diferentes dos dos homens. Enquanto as viagens deles são geralmente do tipo pendular – da casa ao trabalho, do trabalho à casa -, as delas são do tipo poligonal e ligam diferentes percursos para desempenhar funções diversas – da casa para a escola, da escola para o trabalho, do trabalho para o mercado, do mercado para a escola, e por aí vai. 

Infográfico: Instituto Caminhabilidade

Mas, as barreiras de deslocamento não se limitam ao medo e à insegurança. Elas incluem também a falta de infraestrutura e de condições para caminhar – já pensou como é andar levando um carrinho de bebê? -, espaços públicos que não convidam a presença feminina – como campos de futebol sem outras facilidades -, as propagandas sexistas – que sexualizam o corpo das mulheres nos muros e outdoors -, a falta de representatividade nos nomes das ruas e nos monumentos, entre outras. Essas barreiras influenciam de forma tão negativa que uma pesquisa da ActionAid (2016) no Brasil afirmou que 33% das mulheres deixam de acessar empregos devido a barreiras de deslocamento, e 22% interrompem seus estudos. 

Infográfico: Instituto Caminhabilidade

Estes dados são fundamentais para entendermos o presente do deslocamento das mulheres nas cidades e planejar um futuro mais acolhedor e justo. Somada a essas problemáticas vivemos uma crise climática em que as mulheres são – e serão – as mais afetadas. De acordo com relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU), 70% da população mundial vivendo em condições de pobreza são mulheres, o que pode aumentar, já que 160 milhões delas poderão ser empurradas para a pobreza por causa das alterações climáticas. E essa situação é ainda mais grave para mulheres negras e de comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas, que são ainda mais vulnerabilizadas e que muitas vezes dependem da terra e da natureza para sobreviver. Além de tudo isso, as mulheres têm que reagir aos desastres tomando decisões por si e pelas pessoas de quem elas cuidam, que podem ter limitações de mobilidade ou outras dificuldades motoras. 

Em março, comemoramos o Mês da Mulher. Para nós, essa data serve de reflexão sobre o quanto as cidades são desiguais e excludentes, pois são fruto de um planejamento urbano feito principalmente por homens, a partir de uma perspectiva técnica, e sem a participação da população em sua diversidade.

Algumas cidades já estão revertendo essa sensação de medo (ainda que não de forma integral, mas pontual), criando oportunidades para mulheres e meninas estarem nos espaços públicos à noite e sonharem com uma cidade diferente. Esse é o caso do Via Parque Caruaru, em Caruaru (Pernambuco) – projeto vencedor do Prêmio Cidade Caminhável em 2021 na categoria Cidades Médias -, e do Parque Rachel de Queiroz em Fortaleza. Ambos transformaram espaços abandonados em parques lineares seguros e educativos, o que trouxe grande impacto social para mulheres e crianças, aumentando o uso durante o dia e à noite. 

Parque Rachel de Queiroz. Foto: Prefeitura de Fortaleza
Via Parque Caruaru. Foto: Prefeitura de Caruaru

Precisamos ir além de alguns projetos isolados e reconhecer essas disparidades de gênero ao planejar políticas públicas e espaços urbanos, envolvendo ativamente as mulheres no desenvolvimento de cidades mais inclusivas e seguras, colocando o caminhar no centro do planejamento urbano. Precisamos nos apropriar das ruas e cobrar políticas públicas para construir cidades seguras para mulheres e meninas! Cidades que cuidam e acolhem! E aí, vamos juntas?

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Organização liderada por mulheres, movida pela urgência de alcançar a equidade de gênero e enfrentar a crise climática, desenvolve cidades caminháveis com o protagonismo da cidadania. ([email protected])
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