Coeficiente, coeficiente, coeficiente

3 de julho de 2025

O edifício Central Park Tower possui 179 apartamentos com área de 500 m² e preço médio de US$ 22 milhões (alguns chegando a US$ 100 milhões). O 432 Park Avenue possui 125 apartamentos, com área média de 370 m² e preço na casa dos US$ 17 milhões. O One57 tem 92 apartamentos nessa mesma faixa de metragem e valor, assim como o Steinway Tower (111 West 57th Street), com apenas 60 apartamentos. O One Manhattan Square e o Sky (605 West 42nd Street) estão numa “liga” diferente, com mais apartamentos, menores e mais “baratos”. São, respectivamente, 815 e 1.100 apartamentos com área média entre 80 e 100 m².

A lista atesta o óbvio: quanto mais exclusivo o prédio, maiores os apartamentos e maior o preço por m². Mas a conta que eu ainda não tinha visto — e essa é a conta que me interessa — é a que calcula a quota habitacional em cada um desses empreendimentos (quota habitacional é, numa matemática elementar, a metragem do terreno dividida pela quantidade de apartamentos no prédio).

E aí a conta fica realmente interessante, porque a quota habitacional para apartamentos enormes e de altíssimo luxo em Manhattan são incrivelmente baixas, variando entre — míseros — 24 e 30 m². Quando saímos da liga do altíssimo luxo e vamos para os prédios com 850 e 1.100 apartamentos, a quota cai ainda mais, para — ridículos — 6 a 10 m².

O Steinway Tower tem apenas 60 apartamentos, mas antes que alguém reclame de baixa densidade, vale lembrar que são 27.000 m² de área líquida edificados num lote com menos de 1.800 m², um coeficiente de 3 a 8 vezes maior do que em qualquer metrópole brasileira.

Os coeficientes de aproveitamento (o número que expressa o multiplicador de área líquida construída aplicado sobre a área do terreno), pasme, variam entre 9,3 no pior caso (One Manhattan Square) e impressionantes 17,2 (Central Park Tower), uma heresia segundo a academia, a intelligentsia e os gestores municipais (que não perdem um congresso ou seminário na “barriga da besta”).

Imagine você a enormidade de impostos municipais nesses 2.300 apartamentos. Imagine o quanto não foi otimizado qualquer investimento em infraestrutura urbana onde esses prédios estão localizados? Imagine a quantidade de livrarias, cafés, restaurantes e comércios locais nesses locais tão irrigados? Imagine a oferta de serviços e conveniência? Imagine o quão saudáveis e seguras são essas calçadas? 

Os gestores municipais têm, essencialmente, três abordagens em relação aos altos coeficientes de aproveitamento:
• como uma chaga a ser combatida (a opção padrão no Brasil entre 1970 e 2020);
• como uma deliciosa fonte de receita municipal (outorgas onerosas, CEPACs, etc);
• ou como uma ferramenta de custo zero para estímulo do adensamento onde a infraestrutura já existe (ou está subaproveitada), mas falta vitalidade e segurança.

A primeira opção, claro, não funciona, e as nossas cidades estão aí para comprovar que utopia não é conhecimento. A segunda opção, embora não seja a ideal, se bem balanceada consegue ajudar os cofres municipais sem abafar os negócios imobiliários. A terceira opção não deve ter uso indiscriminado, mas aplicada como uma terapia, por um tempo determinado e em locais específicos, com uma visão muito clara e um planejamento objetivo (como dizia o Mestre Jaime Lerner, como “acupunturas urbanas”).

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR e fundador do INSTITUTO CALÇADA. Acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou. ([email protected])
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