Carnaval, zoneamento e NIMBYs

4 de março de 2023

Durante muito tempo, o samba e o carnaval foram reprimidos em São Paulo devido a preconceitos culturais e raciais. 

Atualmente, embora a repressão não possa ser assemelhada à ocorrida no passado, há casos recentes envolvendo associações de moradores, poder público e o Ministério Público que devem ser adicionados ao histórico de conflitos.

No último dia 15 de fevereiro, a 9.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido formulado em 2020 por uma associação de moradores para proibir a realização de blocos de Carnaval na sua região residencial. A ação civil pública, ajuizada pela Associação dos Amigos do Jardim das Bandeiras contra o Município de São Paulo, visava impedir que, a qualquer tempo, o Município pudesse autorizar a concentração e/ou desfile de eventos ou blocos carnavalescos no perímetro da Zona Exclusivamente Residencial do Jardim das Bandeiras e na Praça Horácio Sabino.

A Zona Exclusivamente Residencial é o zoneamento paulistano que proporciona a baixa densidade habitacional na tipologia de casas e também restrições a atividades comerciais, permitidas, apenas, atividades intelectuais dos moradores em suas residências. Ficando a área de abrangência desse zoneamento preponderantemente concentrada nos bairros mais ricos das zonas sul e oeste de São Paulo, garantem uma aura de subúrbio a regiões de moradores de alta renda no meio da metrópole.

Contudo, o posicionamento adotado no julgamento do Tribunal de Justiça foi no sentido de que a região estar inserida em zona estritamente residencial não impossibilita a realização das festividades do carnaval na via pública. 

Isso em razão de o tratamento jurídico das atividades em vias e logradouros públicos ser diferente do tratamento das atividades no interior dos imóveis, ou seja, o que é permitido ou proibido pelo zoneamento no interior dos lotes não se aplica necessariamente ao espaço público. 

Em outro conflito ocorrido em março de 2022, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), ao propor ação civil pública visando a interrupção das obras destinadas à instalação da nova sede da Escola de Samba Vai-Vai no bairro da Bela Vista (a sede anterior foi demolida para as obras de expansão do metrô), apresentou, em um dos documentos anexados ao processo, e-mail da associação de moradores do Morro dos Ingleses requerendo que a instalação da quadra fosse transferida para o Parque D. Pedro II, a alguns quilômetros de distância do bairro onde a escola tradicionalmente se situa. 

Ainda, no mês passado, associações de moradores procuraram o MP-SP para criticar os impactos das ações do carnaval de rua no livre trânsito do distrito de Pinheiros. Como resultado, um inquérito civil foi aberto para apurar a situação.

Não é inesperado que manifestações de cultura e lazer causem conflito dentro da diversidade de anseios e perspectivas existentes numa cidade do tamanho de São Paulo. Tampouco menosprezo perturbações que devem ser atenuadas de forma conciliatória e ponderada.

Contudo, uma determinada região e seus moradores não devem ser protegidos de toda e qualquer atividade realizada na cidade, como se fossem bolsões dentro da malha metropolitana.

É importante que seja levado em conta a possibilidade de danos à mobilidade urbana, ao sossego e à segurança pública durante as festividades, mas essas preocupações devem ser compatibilizadas com o valor das manifestações culturais e de lazer, outros direitos fundamentais constantes da Constituição Federal.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Compartilhar:

VER MAIS COLUNAS