Brincar na rua

8 de julho de 2025

Especialmente quando se tem filhos, parecem inevitáveis as comparações entre a infância deles e a nossa. Enquanto nós, millennials, crescemos assistindo às pouquíssimas opções da TV aberta, por exemplo, eles já têm à disposição a programação infinita das plataformas de streaming, podendo escolher o que querem ver a qualquer hora.

Nas reuniões familiares, eles costumam ocupar o centro das atenções muito mais do que nós, no passado, quando tínhamos que dividir a atenção com muito mais primos e primas.

Por outro lado, eles parecem crescer muito mais vigiados, enclausurados, enquanto nós (ao menos os que não crescemos nas áreas centrais das capitais) tínhamos muito mais liberdade e fazíamos da rua nosso quintal.

Particularmente em relação a esse último ponto, há quem atribua a mudança de comportamento apenas ao aumento da violência e da sensação de insegurança, que, sem dúvida, acabam moldando o nosso estilo de vida.

Não acredito, contudo, que esses sejam os únicos e talvez nem mesmo os principais fatores por trás do abandono da rua. Afinal, o crescimento populacional e o aumento da sensação de insegurança foram acompanhados pela proliferação dos condomínios, que alteraram profundamente as formas de socialização e a relação das pessoas com a cidade.

O problema, é claro, não são os condomínios em si, mas as características da grande maioria deles, ilhas isoladas da cidade que trouxeram para dentro de si espaços outrora públicos como praças, quadras e playgrounds, reduzindo o convívio dos moradores com a vizinhança e a diversidade. 

Outro importante fator por trás da mudança de comportamento entre as gerações foi o crescimento exponencial da frota de automóveis, que tomaram conta das nossas ruas, tornando-as cada vez mais perigosas para as crianças.

Pensei nisso nas férias, quando perguntei ao meu filho mais velho, de cinco anos, do que ele mais estava gostando na nossa viagem e, para minha surpresa, a resposta foi: “de brincar na rua”.

Tivemos o privilégio de passar uns dias no centro histórico de Paraty, em uma daquelas casas de portas coloridas, coladas nas vizinhas, sem recuo em relação à calçada – e onde é proibida a circulação de automóveis.

Para além dos passeios de barco, das idas à praia e das perambulações pelo efervescente comércio do entorno, um dos maiores baratos da estadia, ao menos para mim (e também para o meu filho, descobri depois) era colocar uma cadeira de praia na calçada e ficar observando o vai e vem das pessoas enquanto as crianças brincavam livremente ali no Largo do Rosário.

A proibição de automóveis incentiva esse vai e vem de pessoas a pé, é claro, mas a boa arquitetura e os muitos estabelecimentos comerciais, bares e restaurantes, por si só, já são um convite para os visitantes se perderem por aquelas ruas de pedras irregulares.

Em pouco tempo de estadia, meus filhos já brincavam com outras crianças que também estavam por ali, já reconhecíamos nossos vizinhos, cumprimentávamos e éramos cumprimentados por quase todos que passavam em frente à nossa casa, sempre de porta e janela abertas para a rua.

É claro que Paraty não é uma cidade qualquer e nem qualquer cidade brasileira poderá ser igual a Paraty, mas a experiência de ficar à toa sentado na frente da casa não deixa de proporcionar reflexões interessantes sobre as cidades e as possibilidades de socialização.

Ainda que grandes cidades sejam muito mais complexas, parece haver algo ali em Paraty para reaprendermos a respeito de paisagem, cores, harmonia, uso misto e escala humana, que podem, afinal, tornar mais agradável e interessante a vida nos bairros de uma metrópole como São Paulo.

Mais do que isso, parece haver algo ali para reaprendermos sobre as cidades como espaços de convivência, algo relacionado ao fato de que as ruas e calçadas não deveriam ser encaradas somente como lugares de passagem, mas também (e principalmente) como espaços de permanência, socialização e, por que não, simples diversão.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Economista pela FEA-USP, mestre em economia pela EESP-FGV e tem mais de 20 anos de experiência na área de pesquisas e estudos econômicos. Mora em São Paulo e caminhar pela cidade é um de seus hobbies favoritos ([email protected]).
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