Bibliotecas

14 de março de 2024

A Biblioteca Britânica é, antes de mais nada, um repositório de toda a produção britânica, e recebe – ao menos – uma cópia de todo e qualquer livro publicado em seu território, assim como livros publicados para exportação para outros países.

Estima-se algo entre 170 e 200 milhões de livros, incluindo publicações físicas e digitais de livros, manuscritos, jornais, revistas, vídeos, músicas, registros de sons, discursos, transmissões e programas de rádio, desenhos, mapas, selos, projetos, desenhos e documentos para patente.

A cada ano, são necessários 9.600 metros de novas prateleiras, para 3 milhões de novos itens adicionados, por doação ou aquisição.

A digitalização é necessária, não apenas como forma de possibilitar acesso e pesquisas remotas, mas como meio de preservação, indexação para pesquisas, segurança do acervo e armazenamento remoto, tal o volume de metros quadrados necessários para armazenamento. São múltiplos prédios e armazéns, cada vez maiores e mais distantes do público e dos pesquisadores.

Enquanto a Biblioteca Britânica consegue administrar, manter, gerir e disponibilizar seu acervo com pouco menos de 2 mil funcionários, a Biblioteca do Congresso Americano, rival no porte e tamanho do acervo, exige 3 mil funcionários, apesar de menos espalhada, utilizando menos prédios.

China, França, Canadá, Rússia, Japão, Israel, todos têm em suas bibliotecas nacionais o mesmo espírito de respeito e cuidado com a história e com a produção cultural.

O Brasil não poderia ser diferente, e a nossa Biblioteca Nacional, embora muito menor em acervo, tem em sua sede um caso à parte, num dos mais belos prédios do Centro do Rio de Janeiro, na Avenida Rio Branco. Programa imperdível para arquitetos, geógrafos, historiadores, pesquisadores e amantes de livros e mapas, a Biblioteca Nacional armazena, também, dossiês de imigração e uma infinidade de documentos históricos, além dos livros, jornais e periódicos. Uma verdadeira viagem no tempo, é motivo de orgulho enquanto instituição de Estado (só para variar um pouco, necessário registrar).

Imagine você se, por uma decisão interna, a Biblioteca Britânica ou a Biblioteca do Congresso Americano (ou mesmo a nossa Biblioteca Nacional) optassem por, ao invés de ocupar suas prateleiras e espaços de armazenamento ao máximo, escolhessem ocupar, digamos, 50% de cada prateleira, centralizando metade dos livros no meio da prateleira e deixando um simpático espaço para ventilação em cada extremidade.

Poderia ficar interessante, mais ventilado, por certo. Mais fácil para que 2 pessoas em lados opostos se enxergassem e, quem sabe, conversassem enquanto pesquisam ou arrumam o acervo.

Agradável, amistoso, favorecendo a interação entre as pessoas, mas também com um problema físico, outro com o tamanho da equipe e, dos dois problemas juntos, um terceiro: o dos custos.

Menos livro por prateleira implica em mais metros de prateleiras, que por sua vez implica em prédios maiores. Maior a distância a percorrer exige mais pessoal, mais mobiliário, mais carpete, mais fiação, mais iluminação, mais sistema de combate a incêndios, mais aparelhos de climatização, enfim, mais de tudo.

E mais de tudo significa, sempre, mais dinheiro.

Numa conta reversa, o custo de armazenamento de cada livro aumentou, talvez tenha dobrado, eventualmente triplicado. O risco, embora intangível, também aumentou, porque o tempo de resposta e ação para qualquer problema aumenta de forma desproporcional ao aumento do espaço necessário.

Fogo logo ali? um hidrante resolve. E num outro andar, ou a 400 metros de distância? Alguém se acidentou ou teve um mal súbito num lugar remoto, distante?

Pois é, com as cidades é igualzinho, se for pensar que os prédios das bibliotecas são os bairros, as estantes são os quarteirões, e as prateleiras, os lotes.

Se ocupa todo o lote, o custo da infraestrutura cai. Se só ocupa uma parte, se exige afastamentos frontais e laterais, o custo de se implantar a infraestrutura automaticamente sobe. É matemática pura e básica.

E sobem, igualmente, os custos de manutenção e melhoria da infraestrutura implantada, assim como sobem, também e automaticamente, os custos do transporte público, a complexidade do trânsito, os problemas de mobilidade, a zeladoria das ruas, passeios, praças e parques, o recolhimento do lixo, a alocação dos recursos públicos em escolas e hospitais, a quantidade de pessoas necessárias para as operações, manutenção e zeladoria e, não menos importante, a quantidade de carros e ônibus nas ruas, e – para não dizer que não falei de sustentabilidade – as emissões dos gases poluentes.

Novamente, aumento nos custos, tanto para o poder público e concessionárias, quanto para o cidadão e para as empresas.

E, no entanto, não passa pela cabeça de qualquer gestor de uma dessas bibliotecas (nem da Biblioteca Nacional) ocupar as prateleiras com menos livros. Ao contrário, estão sempre investindo em novos meios e novas tecnologias de otimização do armazenamento, atentos ao conhecimento empírico acumulado (e disponível no planeta), ao bom senso, à lógica e aos fatos.

Reúnem-se periodicamente em eventos dedicados à gestão, armazenamento, digitalização e democratização do acesso aos seus acervos, da mesma forma que os gestores municipais participam de eventos de urbanismo, cidades inteligentes e requalificação de zonas degradadas mas, por alguma razão insondável, nem o conhecimento empírico acumulado (e disponível no planeta), nem o bom senso, nem a lógica e nem os fatos aprendidos nesse eventos estão traduzidos nos Planos Diretores das metrópoles brasileiras.

Os Planos Diretores refletem, ao contrário (desde o advento de Brasília e mais especificamente, desde a década de 1970), a baixa ocupação nos lotes e o desadensamento como via de regra, a redução dos potenciais construtivos, a problematização do ambiente construído e um foco exagerado em obras no sistema viário.

Houvesse no mundo das bibliotecas o divórcio que prevalece entre a visão dos Planos Diretores e o conhecimento empírico acumulado (e disponível no planeta), o bom senso, a lógica e os fatos, é possível que as Bibliotecas Nacionais, enquanto instituição de preservação da história e da cultura de cada País, já tivessem perdido a importância e deixado de cumprir a sua função.

Inspirem-se nas Bibliotecas. Salvem as cidades.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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