Certa vez o Jaime fez uma viagem ao Peru para participar de um dos muitos eventos em que teve a oportunidade de compartilhar a visão que tinha sobre as cidades ao longo de sua carreira. Ao retornar, comentou conosco de uma frase que viu pichada em um muro, e que tinha guardado na memória. Em português seria algo como “basta de obras, queremos promessas!“.
Num primeiro momento, tal afirmação parece um contrassenso, particularmente em contextos em que há tanto por se fazer quanto há promessas não cumpridas. Contudo, a interpretação que ele fez desse apelo foi em um outro sentido.
Estamos agora em período eleitoral nos pleitos para prefeito e vereadores. Nos diversos canais de comunicação política, os candidatos se esforçam para capturar a predileção do eleitor ao propalar suas credenciais, realizações e compromissos de campanha. O eleitor mais atento, já calejado por dissabores, avalia esses conteúdos com uma dose salutar de ceticismo. Qual poderia, então, ter sido a mensagem da frase que o sensibilizou?
Nas ocasiões em que Jaime recebia prefeitos, governadores ou aspirantes a tais cargos, ele sempre lhes fazia duas perguntas.
A primeira, qual o principal problema que identificava em sua cidade ou estado. Com frequência, as frustrações se relacionavam aos déficits orçamentários, entraves burocráticos, pressões de grupos de interesses, deficiências nos serviços de saúde, educação, segurança, transporte, moradia, atenção à criança e ao idoso, precariedade das infraestruturas, e assim por diante. Em geral, os interlocutores tinham bastante claras essas questões, sobre as quais podiam discorrer com fluência.
Já a segunda não suscitava a mesma prontidão… A indagação era: qual é o sonho que você tem para a sua cidade/estado, que não seja a resolução desse problema principal? A dificuldade dos interlocutores em oferecer uma resposta a essa provocação é justamente a tradução do “basta de obras, queremos promessas”.
Não se trata, evidentemente, de desconsiderar a miríade de problemas concretos e prementes que atormentam o cidadão e marcam a pauta dos gestores públicos com demandas legítimas que afetam o cotidiano de todos. Contudo, prefeitos e governadores são também líderes, e um dos papéis da liderança é motivar e fazer avançar aspirações mais elevadas; provocar, inspirar, cativar a imaginação, essa dimensão quase mágica onde a criatividade pode aflorar e a inovação acontecer. No repertório do Jaime, isso se expressava na construção de uma visão de futuro, um sonho compartilhado, capaz de transmutar em certos desejos; de mobilizar não só o esforço desta geração, como o de gerações futuras, uma vez que muitas das ações necessárias para efetivamente transformar projetos em políticas públicas eficazes transcendem o calendário quadrienal.
Essa é, inclusive, uma das camadas que compõe o conceito da cidade integrativa que temos trabalhado. Na analogia feita com os processos terapêuticos, uma abordagem integrativa é também transgeracional, onde ancestrais e descendentes influenciam tomadas de decisão e possibilidades do presente.
Anos atrás, tive o privilégio de acompanhar o Jaime, junto com outros colegas do escritório, em uma viagem de trabalho a Perm, no coração da Sibéria, que alguns talvez conheçam pela obra de Boris Pasternak, autor do clássico Doutor Jivago. Na época da Guerra Fria, a cidade era um centro de produção de aeronaves de combate e outros armamentos. Por questões estratégicas, sua localização não constava nem nos mapas oficias. Dentre as muitas preciosas memórias que ficaram dessa experiência, foi especial a conversa que acompanhei entre o Jaime e o prefeito de lá, e a resposta dada por ele à “pergunta do sonho”: Desejo uma cidade que os jovens não desejem deixar para ir em busca de melhores oportunidades em Moscou; que vislumbrem e encontrem em Perm tudo o que precisam para realizarem seus próprios sonhos.
Ariadne dos Santos Daher
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.