Avenida Presidente Vargas: integração ou fragmentação do espaço urbano?
30 de julho de 2025O planejamento urbano contemporâneo enfatiza a importância da vitalidade dos espaços urbanos, em especial das ruas. Autores como Jan Gehl propõem diversos princípios para qualificar esses espaços, entre os quais se destaca a proporção adequada entre a largura das ruas e a altura das edificações. Nesta coluna, gostaria de abordar a abertura da Avenida Presidente Vargas, em 1944, sob a ótica das pessoas, para quem esses espaços devem ser pensados.
Em 1937, com a recriação da Comissão do Plano da Cidade, foram retomados os estudos do Plano Agache, levando à elaboração do “Plano de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro”, que incluiu a urbanização da Esplanada do Castelo e, em sua obra mais emblemática, a abertura da Av. Presidente Vargas, desde a Doca da Alfândega até a Praça da Bandeira. Dois pontos se destacam nesse projeto: o primeiro é a criação de novos lotes nas laterais da avenida, independentes das propriedades antigas e com dimensões distintas; o segundo é a oportunidade política que possibilitou a realização da obra, talvez inviável em outro contexto histórico.
A ideia de prolongar a Avenida do Mangue até o mar remonta a 1857, quando o Barão de Mauá já vislumbrava a extensão do canal até o Cais dos Mineiros, próximo ao Arsenal de Marinha. Durante a construção da Avenida Presidente Vargas, três igrejas históricas foram demolidas: São Pedro, Bom Jesus do Calvário e São Domingos. Apenas a Igreja da Candelária foi preservada e, para manter seu protagonismo, a altura dos edifícios ao seu redor foi limitada a 12 pavimentos. Nos demais trechos da avenida, o gabarito foi fixado em 22 pavimentos, com exigência de galerias nos prédios.
Além das igrejas, diversas edificações e quadras residenciais foram demolidas, removendo uma população judia, que mantinha comércio nos pavimentos térreos e residências nos andares superiores. Essa área vibrante, com uma forte vitalidade urbana, foi devastada pela obra.
A abertura da avenida alterou drasticamente a morfologia urbana da época, fragmentando um tecido urbano integrado e transformando-o em duas áreas com usos e ocupações distintas. O que antes era um espaço coeso tornou-se um ambiente urbano fragmentado e desarticulado.
No Plano Urbanístico Básico (PUB-Rio) de 1977, a Av. Presidente Vargas, logo após a Av. Brasil, foi designada como o principal corredor de penetração da área central da cidade, absorvendo grandes fluxos de transporte coletivo. Hoje, a avenida conta com cinco estações de metrô e possui integração modal com ônibus, trens, barcas (na Praça XV), BRS e VLT.
A visão de Agache era criar uma ampla avenida que canalizasse o transporte e consolidasse uma Área Central de Negócios ao redor da Avenida Rio Branco, um zoneamento que permanece até hoje. A Av. Presidente Vargas, com a Igreja da Candelária como ponto de destaque, se tornou um marco urbano. Contudo, na cidade contemporânea, onde buscamos reativar áreas centrais com usos diversos, a avenida representa uma ruptura em um tecido urbano tradicional, feita nos anos 1940. No século 21, surge o desafio de integrar os dois lados. Será que, no futuro, nos ressentiremos da morfologia original e da sua vitalidade perdida?
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.