A relação entre dados e cidades está no centro dos debates contemporâneos sobre gestão urbana. Da mobilidade à segurança pública, do consumo de energia ao acesso a serviços cotidianos, dados estão sendo constantemente coletados, armazenados e analisados para infinitos fins. É a dataficação da vida – um novo regime de produção de conhecimento e controle que redefine dinâmicas de poder, planejamento e resistência nas urbes. Frente a essa realidade, nos perguntamos, então: a quem pertencem os dados? A favor de quem eles estão mais ou menos disponíveis?
Sobretudo as megacidades do sul global, historicamente marcadas por processos de desigualdade e informalidade, tornaram-se territórios de intensa disputa tecnopolítica. Enquanto grandes corporações moldam o espaço urbano a partir de lógicas algorítmicas que reforçam desigualdades socioespaciais, coletivos periféricos emergem como agentes de resistência e reinvenção urbana utilizando os dados como ferramentas de emancipação e justiça social.
Nesse cenário, iniciativas de geração cidadã de dados estão ganhando espaço. Em favelas e periferias brasileiras, movimentos sociais vêm utilizando dados para desafiar narrativas oficiais, reivindicar direitos e incidir em políticas públicas. Esse uso estratégico de dados, no qual moradores de um território participam ativamente de todas as etapas de uma pesquisa, não apenas evidencia os problemas estruturais desses territórios como também fortalece soluções criativas e eficazes, enraizadas no conhecimento local.
É cada vez mais urgente que urbanistas, ativistas e gestores compreendam de maneira crítica o papel dos dados no planejamento urbano e na formulação de políticas públicas mais participativas para cidades mais inclusivas – e, ainda, que as lideranças comunitárias sejam capacitadas para tal atuação. Ferramentas de coleta, análise e visualização de dados podem ser utilizadas para potencializar demandas sociais e construir narrativas mais potentes para superar desigualdades.
O trabalho com dados e evidências é um dos pilares norteadores da atuação do Centro de Estudos das Cidades | Laboratório Arq.Futuro (Insper Cidades), que, atento à chamada “ciência cidadã”, inicia em março o curso “Dados, ativismo e desenvolvimento urbano”. A ideia é oferecer uma abordagem crítica e aplicada sobre a produção de dados em contextos urbanos, com foco principal na capacitação de gestores e lideranças comunitárias, sem perder de vista pesquisadores e profissionais de tecnologia, dos setores público, privado e do terceiro setor, empenhados na utilização de dados como ferramentas de transformação social, promovendo a construção de cidades mais justas, sustentáveis e inclusivas.
Em tempos de dataficação acelerada das cidades, entender a dinâmica tecnopolítica dos dados não é apenas uma necessidade – é uma forma de imaginar novas possibilidades de vida.
Gilberto Vieira é docente-líder do curso “Dados, ativismo e desenvolvimento urbano” do Centro de Estudos das Cidades | Laboratório Arq.Futuro (Insper Cidades), é doutorando em Gestão Urbana (PUC-PR), mestre em Cultura e Territorialidades (UFF), gestor de organizações e projetos sociais há 15 anos. É também cofundador do data_labe (datalabe.org) – um laboratório de mídia, pesquisa e geração cidadã de dados sobre favelas e periferias.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.