Em mercados competitivos, uma das propriedades do equilíbrio econômico é sua eficiência em termos alocativos. Isso significa que os mecanismos de oferta e demanda, funcionando livremente, garantem a melhor alocação possível dos recursos escassos.
Quando, seja lá por qual motivo, há uma restrição exógena à oferta de um determinado bem, o resultado é não somente um preço mais elevado – e consequentemente o menor acesso dos consumidores a esse bem –, como também o que chamamos em economia de “perda de peso morto”.
Afinal, caso vigorassem as condições de oferta e demanda do livre mercado, não somente mais consumidores estariam dispostos a comprar aquele bem por um preço mais baixo, como também os produtores estariam dispostos a ofertá-lo a um preço menor.
Sim, falando nesses termos tudo soa demasiadamente abstrato, mas quando voltamos nossa atenção para as cidades, podemos apontar os imóveis abandonados em áreas centrais, ricas em empregos, serviços e infraestrutura, como um exemplo concreto da tal “perda de peso morto” ou ineficiência alocativa à qual me referi.
A limitação da oferta de imóveis, é verdade, pode ser reflexo do próprio planejamento urbano, quando ele impõe normas urbanísticas muito restritivas relacionadas ao potencial construtivo e às possibilidades de uso e ocupação.
O mercado imobiliário, além disso, tem uma série de falhas. Disputas por herança ou mesmo falta de herdeiros, burocracia e lentidão dos processos no setor público, vacância, especulação e altos custos para manter e modernizar imóveis são algumas particularidades que ajudam a explicar a ociosidade e a oferta menor do que a desejada de unidades habitacionais nas áreas centrais da cidade.
Pode-se dizer que, ante uma demanda habitacional elevada, essa ociosidade é um dos elementos por trás do crescimento do mercado imobiliário informal, formado muitas vezes por ocupações irregulares nos próprios prédios abandonados.
Há um certo discurso moralista, a se apresentar como liberal, que costuma condenar veementemente a invasão de propriedades, mesmo quando se tratam de imóveis abandonados há décadas em áreas centrais.
Como economista, vejo a questão de forma um pouco diferente. Um imóvel abandonado, afinal, além de gerar uma série de externalidades negativas (desvalorização e diminuição da segurança no entorno, por exemplo), é sinônimo de ineficiência alocativa para a cidade. Mais famílias poderiam estar morando ali e não em ocupações irregulares ou conjuntos habitacionais distantes dos empregos e serviços.
A invasão desses imóveis, no fundo, nada mais é do que resultado da tensão social decorrente de uma forte demanda habitacional em conflito com um mercado imobiliário formal pouco acessível que, contraditoriamente, dispõe de muitos imóveis vazios e que não são ofertados nas áreas centrais.
Sim, é caro e complexo converter antigos imóveis não residenciais em unidades habitacionais, mas os custos podem ser compensados quando levamos em consideração fatores relacionados às externalidades e à eficiência.
É legítimo o discurso indignado dos supostos liberais que colocam a defesa da propriedade como um princípio inegociável. Deveriam causar tanta ou mais indignação, porém, imóveis desocupados, subutilizados, obras abandonadas e terrenos vazios coexistindo com um enorme e precário mercado imobiliário informal.
Por sinal, a defesa incondicional da propriedade privada, que ignora questões relacionadas à eficiência econômica, talvez seja um dos principais traços do atraso que caracteriza a sociedade brasileira. As pessoas precisam de moradia e deveríamos lutar para que elas fossem ofertadas da melhor maneira possível, com os menores custos externos, para o bem da cidade.
É verdade que muitos invasores transformam a ocupação irregular de imóveis em uma forma de exploração. Porém, quem mantém imóveis vazios em áreas centrais, seja por inação, seja por especulação, é que é o verdadeiro vilão dessa história.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.