Em O desenho de São Paulo por seus caminhos, Andreina Nigriello reflete a experiência acumulada em sua prática profissional como arquiteta e urbanista, tendo por base a pesquisa desenvolvida para a obtenção do título de livre-docência da Universidade de São Paulo (USP), narrando a construção do espaço metropolitano paulista a partir de seus caminhos.
Os dez capítulos do livro estão organizados, não por acaso, a partir dos meios de deslocamento representativos de cada configuração urbana de São Paulo, o que permite visualizar como se davam essas rotas desde o período pré-colonial até as décadas mais recentes.
Convenientemente, a utilização dos meios de deslocamento como eixo central dos capítulos traz consigo um panorama em camadas – cada século, tecnologia, êxito e dificuldade –, de modo que, somados às infraestruturas de abastecimento e à circulação de mercadorias, auxilia no aperfeiçoamento dos cenários da narrativa.
Outra escolha bastante acertada é o foco na figura dos “caminhos”. Além de carregar consigo o próprio “deslocar-se”, o termo coloca em destaque questões sobre os motivos do deslocamento. Esses caminhos eram utilizados pela população local ou por estrangeiros? Eram rotas comerciais? Escoavam a produção industrial ou agropecuária? Conectavam São Paulo a outras cidades, estados, países? Deram origem a lugares ou povoados? Eram vias percorridas a pé, tração animal ou tração motora? Foram caminhos espontâneos ou tema de planejamento? Ou seja, mais do que tratar do espaço físico construído, a obra levanta problemáticas econômicas, sociais, e, por vezes, políticas, ligadas aos caminhos paulistas.
A riqueza de detalhes do livro vai também além dos registros textuais narrados. As quase quatrocentas páginas receberam mais de uma centena de cartografias, o que demonstra o rigoroso trabalho arquivístico desempenhado para a produção do livro. Importante reforçar que essas cartografias não apenas ilustram o texto, mas são parte fundamental para a estratégia adotada por Nigriello em sua obra, que joga luz na importância desse instrumento como parte intrínseca da análise e do planejamento urbanístico ao longo dos anos.
A autora é, mais uma vez, exitosa ao trazer ainda aqueles que estão cotidianamente utilizando essas rotas, desde os primeiros povoados pré-coloniais até as cidades de hoje, com as complexas relações metropolitanas que desafiam o dia a dia dos habitantes da Grande São Paulo.
Por fim, todo o detalhado panorama histórico traçado por Nigriello conflui para as reflexões apresentadas nos últimos capítulos do livro, nos quais a autora discorre sobre o cenário do presente da metrópole paulista e os pontos de atenção para uma visão de seu futuro.
A leitura da obra é, sem dúvida, oportuna para quem tem interesse em investigar as rotas que nos trouxeram até aquela que é uma das mais populosas metrópoles do planeta. Mais do que isso, remetendo à dedicatória da própria autora, o livro é, sobretudo, “aos que podem desenhar os caminhos de São Paulo”.
Heloisa Loureiro Escudeiro é coordenadora-adjunta do Núcleo Arquitetura e Cidade do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.