Árvore pra quê?

28 de março de 2025

Arborização urbana deveria ser ponto pacífico. Não é.

Há algum tempo, uma estudante da FAU/UnB estava fazendo uma pesquisa na Ceilândia, a Região Administrativa (RA) mais populosa de Brasília. Não me lembro exatamente com qual objetivo, mas havia no questionário uma pergunta sobre coisas de que os moradores sentiam falta. Era uma pergunta objetiva, com várias alternativas de resposta e a possibilidade de marcar vários itens. Tinha itens como segurança, transporte público, iluminação e… árvores.

A palavra “árvores” estava escrita. Ninguém marcou.

Veja bem, não é que se tratava de uma pergunta aberta, em que a pessoa respondente tivesse que se lembrar de sentir falta de “árvores”. A palavra “árvores” estava escrita, compunha a lista, as pessoas leram e… ninguém marcou.

Agora vamos olhar para a Ceilândia pelo Google Earth. Nenhuma rua local ou coletora é arborizada. Nas vias principais, toda a arborização se concentra em canteiros centrais, por onde ninguém caminha. O restante das árvores existentes concentra-se nas áreas institucionais e praças, normalmente ao seu redor, onde os moradores as plantam para sombrear seus carros estacionados ao longo do meio-fio.

A despeito de todo o comprovado e propalado benefício da arborização urbana – sequestro de carbono, melhor qualidade do ar, microclima mais agradável, embelezamento, habitat para a biodiversidade etc. – árvores não parecem ser algo importante. Nem para quem produz a cidade, nem para quem nela habita.

Em nossos levantamentos de campo, escutamos alguns argumentos recorrentes contra as árvores.

1) “Elas estragam as calçadas, e as pessoas tropeçam em suas raízes”. Verdade. Em muitos locais, as espécies são inadequadas para compor calçadas.

2) “Suas folhas sujam e dão trabalho pra limpar”. Essa, aliás, é a razão pela qual muita gente corta árvores dentro de seu próprio lote e impermeabiliza seu quintal (o que nos faz pensar sobre a imensa dificuldade em se controlar a tal taxa de permeabilidade). Folhas, gente! É só varrer. Mas isso também é falta de manutenção e de uma política para destinação e aproveitamento da matéria orgânica.

3) “Suas frutas caem, apodrecem, atraem bichos e mau odor” (mangas e jacas, por exemplo), “sujam a calçada, a gente pisa e leva essa sujeira para dentro de casa” (acontece demais com os jamelões). Verdade. Mais uma vez, espécies inadequadas, falta de manutenção ou de uma política para destinação e aproveitamento da matéria orgânica.

4| “Elas deixam o ambiente escuro e inseguro”. É verdade quando há uma combinação dos fatores falta de manutenção e iluminação inadequada: postes altos demais, fazendo as copas sombrearem a calçada à noite.

5) “Elas funcionam como esconderijo para bandidos, que se refugiam nelas para atacar os transeuntes”. Olha… eu não tenho pesquisas sobre esse tema, mas costumo me informar sobre ocorrências de crimes em espaços públicos e suas características: se isso realmente ocorre, deve ser em baixíssima porcentagem.

Árvores são seres vivos, e nisso reside enorme parte do fascínio que exercem. Elas nos acolhem, amenizam o ambiente, prestam-nos serviços inestimáveis. No entanto, exigem cuidados e uma correta inserção no meio antropizado. Há inúmeros estudos falando sobre a adequada especificação, plantio e manutenção das árvores urbanas, mas nossas prefeituras não estão ouvindo. Continuam prestando pouca atenção a elas e criando novas vias que são consideradas concluídas e satisfatórias quando a infraestrutura para os automóveis está pronta e tem palmeira nos canteiros centrais.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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