Mesmo que os últimos quatro anos tenham sido de vergonhoso desinteresse do governo federal para com o fomento à cultura, esta aumentou sua contribuição na economia nacional entre 2012 e 2020, chegando a 3,11% do PIB brasileiro.
O estudo “PIB da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas – ECIC” promovido pelo Observatório Itaú Cultural e divulgado recentemente mostra de modo interessante como o setor cultural supera economicamente a indústria automobilística cuja proporção é de 2,1% do PIB. Os anos de 2021 e 2022 não puderam ser analisados pela baixa qualidade dos dados, reflexo do desprezo com a cultura.
A pesquisa teve grande atenção da imprensa brasileira e pode ser acessada aqui.
O que não foi dito ainda é que a categoria “arquitetura” era a mais relevante dentro da economia da cultura, na série histórica analisada, até 2018, quando participava em 46,34% na indústria criativa (igual a 1,09% do PIB brasileiro), mas desde 2019, foi superado pela categoria “desenvolvimento de software e jogos digitais”. Em 2020, a arquitetura corresponde a 29,4% da ECIC e a 0.91% do PIB. Segundo a base de dados da pesquisa, o auge se deu em 2014, quando a categoria arquitetura chegou a representar 1,59% do PIB nacional.
O fato deste serviço criativo ser o mais relevante economicamente para o país não desperta nenhum ânimo em termos de políticas públicas ou de desenvolvimento estratégico da arquitetura como promotora de qualidade de vida, de paisagens urbanas coerentes com nossa história e futuros melhores, de ecologia, ou como softpower capaz de ampliar nossa influência no mundo.
A evidência incontestável do Brasil possuir dois prêmios Pritzker, o “Nobel” da área, para Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha, não provoca nem reflexão pública sobre como vamos guardar, arquivar e exibir a obra desses arquitetos geniais. É um desafio privado. As famílias que se virem! O acervo de Mendes da Rocha reside hoje em Portugal, por exemplo. O de Lucio Costa, o planejador da nossa capital foi para o mesmo destino, a Casa da Arquitetura em Matosinhos.
Décadas e bilhões de reais investidos no audiovisual não deram nenhum prêmio Oscar ao país.
A admiração internacional por Lina Bo Bardi, por João Filgueiras Lima “Lelé”, por Roberto Burle Marx, também parece não ter efeito sobre os formuladores das políticas culturais. Arquitetos são párias dentro do setor cultural mesmo sendo parte decisiva da organização e da formação da identidade das cidades.
Uma auto-crítica é necessária. Nossas organizações profissionais estão tão dedicadas às questões sociais, políticas e ideológicas da produção das cidades que parecem que se esqueceram de fazer o básico: defender a prática da arquitetura como expressão singular da cultura e lutar por fomento do campo junto ao Ministério. Justiça seja feita, graças ao surgimento do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, pelo menos começamos a financiar com nossas próprias anuidades profissionais um pouco mais de produção reflexiva. Mas é muito pouco se comparado com o que poderia fazer uma política de desenvolvimento do setor.
A construção civil é uma das áreas mais expressivas da economia, mas também vem apresentando redução na sua participação do PIB, impactando diretamente a atividade do projeto de arquitetura. Contudo é uma indústria com incisiva influência no desenho de políticas públicas e com enorme força de convencimento junto aos políticos.
Daí decorre a contradição: os arquitetos se importam de fato com a arquitetura? Se sim, deveríamos estar fazendo muita pressão em Brasília para sermos ouvidos e compreendidos na política de desenvolvimento cultural, da economia e da diplomacia, visando exportação de serviços dessa nossa potência. A ministra Margareth Menezes já recebeu uma comitiva dos arquitetos?
O novo Minha Casa Minha Vida contemplará preocupação com a qualidade do projeto e do desenho urbano? Obras públicas incentivarão concursos e boa arquitetura? Os arquivos de arquitetos terão linhas de apoio? Teremos exposições para visitar, livros para ler e documentários para assistir sobre arquitetura? Qual é a política para equipamentos e para aquisição de software para arquitetura?
Ou lutamos pela força cultural da nossa profissão ou seremos cada vez mais desimportantes.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.