Alphaville e a Favela: quando a segregação socioespacial é aplaudida

30 de abril de 2023

Vamos fazer um exercício: imagine um bairro onde os moradores têm uma excelente qualidade de vida, não precisam se deslocar durante horas para ir ao trabalho, contam com espaços de lazer dos mais diversos, áreas verdes bem cuidadas, vista bonita, ruas limpas e sem buracos. Um bairro onde quem reside não precisa se preocupar se chegará tarde, ou se será assaltado, porque afinal de contas, desfruta de segurança efetiva e iluminação urbana. 

Imagine que esse lugar é provido de muitos comércios e serviços de ponta, escolas reconhecidas pelo seu ótimo ensino. Crianças podem andar de bicicleta e brincar felizes e tranquilas no clube, ou praticar algum esporte de sua preferência. Shoppings, restaurantes, cinemas e até hospitais, para dar todo o suporte necessário aos moradores. Barulho? Que nada! Graças ao local calmo e arborizado que o bairro se localiza, não há!

Sabia que esse lugar existe e é muito cobiçado por aí? Mas, pasme, somente quem tem dinheiro pode morar nele e frequentá-lo. E uma curiosidade: muitas vezes ele está praticamente do lado daquela favela famosa da nossa cidade.

Entre os anos de 1940 a 1980, a lógica da desigualdade social e ocupação das cidades se pautava a partir da segregação espacial, onde havia a separação dos diferentes grupos sociais. Classes mais altas ocupavam os bairros mais desenvolvidos enquanto as classes mais baixas eram alocadas nas áreas periféricas e sem infraestrutura urbana. A partir da década de 80, essa lógica é sobreposta por uma falsa proximidade de grupos sociais diferentes. 

Com a saturação do mercado imobiliário nos centros urbanos, a auto segregação começa a acontecer fazendo com que, quem tem poder aquisitivo mais alto compartilhe, em tese, o mesmo espaço da cidade com quem tem baixo poder aquisitivo.

Um exemplo dessa prática são os condomínios fechados como o Alphaville. A diferença da segregação que é cobiçada e aplaudida é que, quem tem dinheiro se “protege” atrás de muros e grades, mecanismos de segurança, controles de acesso e infraestrutura completa, enquanto quem está nas áreas adjacentes sofre com a falta do direito à segurança, moradia, mobilidade urbana e cidade.

O Alphaville teve origem em 1973, quando o engenheiro Renato Albuquerque e o arquiteto Yojiro Takaoka tinham o desejo de criar uma região completamente planejada para empresas não poluentes. Logo após, em 1975, surgiu o conceito Alphaville Residencial, a partir da percepção da alta demanda para atender os executivos dessas empresas, que queriam morar perto do trabalho.

Após isso, perceberam que era hora de investir em produção e vendas de residenciais, então a partir de 1985, a valorização da região fez com que aumentasse a demanda e consequentemente o preço das moradias.

Hoje, esses condomínios fechados de alto padrão estão localizados em várias cidades do país e seguem praticamente as mesmas diretrizes. Em Porto Alegre, o Alphaville ocupa uma área de aproximadamente 1.400.000 m², em um local com muitos morros e áreas de preservação ambiental e localiza-se a menos de 3 km da Restinga, uma das maiores periferias da cidade, considerada por muitos um bairro autossuficiente, assim como bairros planejados, só que não.

Além disso, condomínio é uma área “protegida” com praticamente 2 km de muros, o que além de interromper o tecido urbano da cidade, contribui diretamente para a insegurança dos moradores que vivem nas áreas do entorno, evitando a caminhabilidade pelas ruas que são desertas e perigosas.

Ainda sabemos na prática, que condomínios fechados são grandes símbolos de desigualdade social e fazem com que, mesmo próximo a regiões periféricas, não haja nenhum tipo de contato entre pessoas de classes distintas.

Ou seja, de um lado, pessoas que moram em locais luxuosos e cobiçados, com segurança 24h, que não dependem do transporte público nem se preocupam em perder qualidade de vida ou seus direitos e privilégios. Do outro, pessoas que moram em locais insalubres, inseguros, que levam mais de três horas no trânsito para ir e voltar do trabalho, com o direito à moradia e à cidade negados. Ou citando “Spainy & Trutty”: Alphaville e a Favela.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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