A gente bem que podia dar-se conta mais frequentemente do luxo que é sermos um país tropical.
Eu achava muito boba a letra de “Here Comes The Sun”, dos Beatles, até ir morar na Polônia, a 54° de latitude norte.
Cheguei lá num 1º de junho, fim de primavera, com 21 anos, sem ter ideia de que ia me deparar com dias tão longos. Às 21h, caindo de sono, olhava pela janela e pensava: “não é hora de dormir, ainda está claro”. Depois me vinha a letra de “Bye, bye, Brasil”, do Chico Buarque: o sol nunca mais vai se pôr.
Mas me acostumei rápido. Veio o verão com seus dias mais longos ainda. Eu trabalhava das 8h às 15h e, depois do estágio, ainda tinha muitíssimas horas para aproveitar. A temperatura era agradável. O dia rendia muito. A semana rendia muito. Dava para fazer as coisas práticas da vida. Dava para aproveitar a cidade. Dava para programar mil coisas fora de casa nos fins de semana.
Era ótimo.
Aí, balançando no meu trem para trabalhar na cidade vizinha, pouco a pouco fui vendo o outono chegar. O trem passava por uma série de bosques, e eu notava as folhas ficando amarelas, vermelhas, marrons e caindo. O frio foi chegando. Uma amiga me deu um casaco marrom, que era dela, e que virou meu grande companheiro nessa fase: estou com ele em todas as fotos. A vida foi se reajustando aos dias de duração normal, isso eu sabia o que era. Ao sair do trabalho não dava para fazer mais tanta coisa, mas era produtivo, ainda assim.
Era bom.
O outono foi evoluindo e, em fins de novembro, os dias foram encurtando mais. Eu saía de casa no escuro, via a luz da manhã aparecer pálida de dentro do trem e o dia acontecer justamente durante minhas horas de estágio. Eu tinha a sensação de estar desperdiçando todo o meu dia no trabalho. Quando saía de lá, andava rápido, torcia para o trem chegar logo, para ainda ter luz quando descesse na minha estação. Corria, corria, mas não adiantava; via o sol partir, com o olhar desapontado de quem perdeu a condução. O dia não rendia nada. Almoçava de noite, fazia compras de noite, e como não queria andar pela rua de noite, no frio, ia logo pra casa. A semana não rendia nada. Nunca esperei tanto pelo fim de semana, para ter dois dias de luz só pra mim, para eu poder sair ao sol.
Era triste.
Não vi o inverno chegar: em dezembro, voltei aos quase 16° de latitude sul de Brasília. Tempos depois, quando ouvi de novo “Here Comes The Sun”, entendi. Alguns amigos que também moraram no hemisfério norte concordam. Lá a luz do sol não é algo com que você possa contar sempre. Ela escasseia, fica disponível quando não a podemos desfrutar. Aí, quando ela reaparece, é um acontecimento. As pessoas saem ao ar livre, vão para os espaços públicos, deitam-se nos gramados para aproveitá-la. O sol é uma celebração.
No Brasil, talvez a gente não tenha tanto essa percepção. A luminosidade é generosa, e as condições climáticas são favoráveis na maior parte do ano. O sol está tão aí, que muitas vezes nosso problema é como nos proteger dele – coisa que as cidades não fazem direito, infelizmente. Ainda assim, a gente bem que podia dar-se conta mais frequentemente do luxo que é sermos um país tropical, e de todas as possibilidades que o nosso clima nos traz de sairmos de casa e aproveitarmos a vida lá fora.
Maio é meu mês preferido em Brasília. A seca está chegando, mas a cidade ainda está verde. As paineiras florescem lindamente, o ar está frio e o céu fica intensamente azul. Hoje, saí de manhã cedo para me aquecer ao sol. Fechei os olhos, reconheci meu privilégio de brasileira e sorri.
Here comes the sun. It’s all right.