Ah, não! Uma escada!

14 de março de 2025

Uma escada nunca deveria existir sem uma alternativa a ela

“Ah, não! Uma escada”, suspiro.

Há pouco tempo meu joelho direito começou a doer, e descobri que estou com uma lesão no menisco. Como ia viajar antes de poder começar a fisioterapia, o médico me recomendou alguns cuidados e disse para evitar a todo custo subir e descer escadas.

Eu sempre me preocupei com acessibilidade, por conta da minha profissão, mas eu mesma nunca tinha tido qualquer dificuldade para usar escadas. Essa nova condição mudou completamente o meu olhar, o meu deslocamento, a minha experiência de cidade.

Nesta viagem, caminhando por alguns espaços públicos, descobri que aonde eu quero ir e aonde eu posso ir não são necessariamente o mesmo lugar. Estive em um parque em aclive, que impôs escadas por ter feito cortes e aterros, dificultando o acesso a quem poderia chegar se a calçada acompanhasse o terreno em seu relevo original, contornando-o suavemente. Estive em um parque super plano, que criou uns canteiros com desnível, a ser vencido com alguns degraus, inviabilizando para mim algumas rotas em seu interior. 

Estou me dando conta do quão capaz eu era antes do meu menisco lesionado: eu podia ir a qualquer lugar! A capacidade de acessar os lugares de meu interesse era minha, não algo que os lugares me ofereciam. Isso é bem óbvio, mas acredite: vejo mais claramente agora.

Os lugares precisam estar desenhados para oferecer – a quem quer que seja, com quaisquer condições – a capacidade de serem acessados, percorridos, explorados, desfrutados.

Eu gosto de escadas. Como elemento arquitetônico destinado a vencer desníveis em ambientes internos e externos elas podem ser lindas, interessantes, icônicas: a monumental escada da Ópera Garnier, em Paris; a flutuante escada helicoidal do Palácio do Itamaraty, em Brasília; a gregaríssima escadaria da Piazza di Spagna, em Roma; a colorida escadaria Selarón, no Rio de Janeiro. No meu momento atual, não vou gostar de nenhuma delas se o ambiente onde elas se encontram não me oferecer uma alternativa de trajeto.

Frente à minha limitação atual, e frente às condições temporárias e permanentes de muitíssima gente, escadas não são dispositivos de circulação vertical: elas são uma barreira.

A gente sempre vai precisar de escadas, porém, estando no século 21, me custa crer que a gente não consiga criar, implementar e manter funcionando toda a sorte de soluções e equipamentos que permitam que elas sejam apenas uma das formas de se transpor um desnível para que sigamos nossos caminhos.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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