Afastamentos

16 de outubro de 2024

Na primeira metade do século 20, com a construção de edificações cada vez mais altas, planejadores introduziram o artifício de afastamentos entre edifícios para que contemplassem melhores condições de iluminação e ventilação natural, bem como para ampliar o acesso das fachadas à radiação solar. Uma necessidade fidedigna para melhorar as condições de vida em locais extremamente densificados. 

Entretanto, utilizou-se dessa premissa para implementar uma nova morfologia de edifícios, vista como solução para as compactas cidades da época: o edifício de volumetria solta no lote, ou seja, rodeado de afastamentos.

Essa morfologia de edificação está há 60 anos implementada nas cidades brasileiras e parece sempre seguir os mesmos ritos de afastamentos do passado, a fórmula matemática. Somado à questão, o cálculo para se obter os ditos afastamentos laterais, fundos e, por vezes, frontais são igualmente introduzidos para todo o território da cidade. Sem haver diferença alguma entre regiões e/ou bairros. 

A crítica para os (temíveis por uns e abençoados por outros) afastamentos já é bastante difundida e conhecida. Há inúmeras pesquisas e publicações a seu respeito. Alguns municípios, a cada revisão de suas regras urbanísticas, tentam mitigar alguns problemas ou, por vezes, até acentuar o incômodo.  No geral, tudo que se tem adotado a respeito de afastamentos é muito pouco eficaz perante os seus julgamentos.

Muito se discute sobre a retirada dos afastamentos para a volta dos saudosos edifícios colados nas divisas laterais. Em determinadas regiões, vejo essa questão com bons olhos para que as paisagens urbanas – congeladas há anos – possam ser completadas. Mas e onde a ambiência já está consolidada com edifícios repletos de afastamentos, o que fazer?

O ponto é que, de fato, os afastamentos genéricos têm estragado o ambiente urbano. Não só aos olhos da rua, mas a nível de paisagem também. E hoje, com as tecnologias e expertises disponíveis, não há mais razão para que continue acontecendo.

Questiono: por que os afastamentos precisam ser iguais para a cidade inteira? Em outras palavras, por que ter o mesmo cálculo de afastamento para toda a cidade?

Os bairros não possuem caráteres diferentes? Edifícios residenciais e comerciais não possuem exigências diferentes no código de obra? Então por que afastamentos iguais?

Se os afastamentos vieram para ficar, por que não implementar diferentes “fórmulas matemáticas” para cada caráter de bairro ou para cada uso de edificações?

Já pensaram num método em que os afastamentos laterais e de fundos são diferentes para os edifícios de apartamentos e edifícios de escritórios? Provavelmente teríamos volumetrias mais interessantes.

E se não houvesse mais fórmulas e os afastamentos fossem obtidos pela quantidade de horas de sol nas determinadas fachadas? Garanto a vocês, geraríamos morfologias mais adaptativas ao local e, surpreendentemente, menos restritivas para arquitetos projetarem.

Precisamos avançar. As ambiências das cidades brasileiras clamam por essa necessidade. O mesmo método/cálculo/fórmula matemática está demasiadamente ultrapassado. Ainda mais quando se trata do mesmo método para todo o território urbano. Me parece até certa preguiça entre os planejadores de introduzir diferentes métodos de afastamentos, já que o básico é tão simples e fácil de ser conferido.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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