Aeroporto Santos Dumont como um bairro ou um motivo para discutir as cidades?
18 de junho de 2025Há cerca de cinco anos, o professor Carlos Murdoch, junto com outros arquitetos, apresentou uma proposta de desativação do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e de transformação da área em um novo bairro. A proposta previa a criação de um distrito urbano de grande porte, com moradias, comércio e serviços, estimando-se um potencial imobiliário de até R$ 100 bilhões. O bairro teria dimensões semelhantes às do Leblon, ocupando aproximadamente 5 milhões de metros quadrados — sendo 3 milhões destinados a residências e 2 milhões para atividades comerciais e de serviços.
A justificativa para a desativação do aeroporto incluía limitações operacionais, como obstáculos na cabeceira da pista, além da necessidade de fortalecimento do Aeroporto Internacional do Galeão. Adicionalmente, o projeto estimava que a cidade poderia arrecadar cerca de R$ 3,3 bilhões anuais em tributos.
Na época, a proposta gerou um debate intenso, com muitos contrários e poucos favoráveis. Entretanto, não se tratava de uma ideia isolada ou inédita. Diversas cidades ao redor do mundo passaram por processos semelhantes, transformando antigos aeroportos urbanos em novos bairros e espaços públicos. Em Berlim, por exemplo, o Aeroporto Tempelhof, fechado em 2008, foi convertido no enorme parque público Tempelhofer Feld, que preserva as pistas e os hangares, hoje utilizados para eventos culturais, coworkings e abrigos temporários, com discussões em andamento sobre uma possível urbanização parcial da área. Em Hong Kong, o antigo Aeroporto Kai Tak, desativado em 1998, deu origem ao Kai Tak Development, um megaprojeto urbano que reúne habitações, centros comerciais, hospital, escolas, áreas de lazer e um terminal de cruzeiros.
Portanto, não se trata de uma ideia nova. Mas afinal, por que gerou tanta discussão? Aqui entra minha reflexão, buscando compreender as discussões sobre urbanismo que mobilizam a cidade. Em primeiro lugar, qualquer proposta que traga mudanças estruturais e de grande porte tende a gerar desconforto em parte da sociedade, que se vê forçada a sair de seu status quo. Romper com a zona de conforto, especialmente em cidades historicamente resistentes a mudanças, costuma ser um processo difícil.
Outro fator relevante que alimenta as reações contrárias é o impacto sobre a mobilidade das classes sociais que utilizam o Santos Dumont com frequência. O aeroporto, localizado próximo à Zona Sul, oferece comodidade por permitir deslocamentos rápidos — de 20 a 30 minutos —, algo que não se verifica no acesso ao Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), mais distante, com trajetos muitas vezes prejudicados pela insegurança pública e confrontos entre forças policiais e o tráfico.
Vale observar que desafios semelhantes ocorreram em Hong Kong, onde o novo aeroporto também se localiza em uma área mais afastada. No entanto, lá foi implantado um eficiente sistema de transporte: uma linha de metrô expresso conecta diretamente a região central da cidade ao aeroporto, permitindo, inclusive, realizar o check-in e despachar bagagens na própria estação. Esse exemplo evidencia uma diferença crucial: enquanto em Hong Kong houve investimentos robustos em infraestrutura de transporte, no Rio enfrentamos um cenário de paralisia — levamos anos para construir uma ou duas estações de metrô e, atualmente, sequer conseguimos concluir obras inacabadas, como a estação da Gávea, que corre risco de colapso.
A proposta de Murdoch pode ser considerada ousada, e acredito que se trata de algo para um futuro de longo prazo. No entanto, é uma proposta que merece ser considerada, visto que se baseia em uma estratégia adotada por diversas cidades. Mais do que um exercício projetual, ela nos convida a abrir o mapa da cidade e debater soluções urbanas. Algumas podem parecer arrojadas, outras mais conservadoras, mas todas deveriam fomentar uma discussão ampla sobre planejamento urbano — um tema historicamente negligenciado e muitas vezes rejeitado no Rio de Janeiro.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.