Adaptação climática em tempos de desordem

5 de agosto de 2025

O verão europeu de 2025 voltou a quebrar recordes de calor. As imagens se repetem como um ritual de fim de mundo: rios evaporando, colheitas fracassadas, cidades sufocadas pelo calor e pela poluição, sistemas de saúde em colapso. A crise climática deixou de ser um alerta; tornou-se uma experiência cotidiana — vivida antes e ainda mais severamente pelos mais pobres, porém alcançando, nos últimos tempos, a todos, por motivo óbvio: não existe um planeta alternativo para a espécie humana.

A incerteza sobre o futuro dos acordos internacionais só cresce. A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris reconfigura o tabuleiro da diplomacia climática. Às vésperas da COP30, marcada para novembro no Brasil, acumulam-se dúvidas e desconfianças. Há quem tema uma conferência esvaziada, incapaz de renovar compromissos. Há quem tema, com mais razão, uma conferência que retroceda.

Enquanto isso, o tempo político desacelera, e o tempo climático acelera. Os cenários de impacto previstos para 2050 já dão sinais claros em 2025. E o que se exige não é apenas mitigar o que está por vir; deve-se adaptar o que já chegou. É nesse contexto que surge o Programa Cidade +2°C, do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper. A iniciativa, que nasce oficialmente neste mês de agosto, parte de uma constatação dura: a adaptação não pode mais esperar.

Inspirado no limite simbólico de 2°C estabelecido pelo Acordo de Paris, o programa busca construir soluções práticas para um mundo onde esse limite já está sendo ultrapassado. Ele não opera na lógica da promessa e sim na da urgência. Não surge para reafirmar metas climáticas; anseia enfrentar seus efeitos com estratégia e ação.

A proposta é clara: articular governos, setor financeiro, academia e sociedade civil em torno de uma nova agenda urbana. Uma agenda capaz de reconhecer que as cidades estão na linha de frente da crise climática, por concentrarem população, infraestrutura, desigualdades e riscos, e também abrigarem o maior potencial de resposta.

Cidade +2°C objetiva discutir não apenas o que fazer, mas principalmente como fazer. A saber:

  • • Como adaptar cidades sem ampliar desigualdades?
  • • Como financiar obras de infraestrutura resiliente?
  • • Como incluir risco climático nas decisões públicas e privadas?
  • • Como medir impacto em um planeta de eventos imprevisíveis?

A crise climática exige a construção de um novo repertório técnico e institucional. A linguagem das políticas públicas precisa incorporar conceitos como risco, resiliência, incerteza e antecipação. O orçamento deve prever não só obras como também planos de contingência. E o setor financeiro tem de aprender a precificar um futuro instável e financiar o que ainda não desabou.

A cada evento extremo, cresce a pressão sobre prefeitos, secretários e governadores. A reconstrução se torna rotina. No entanto, reconstruir sem adaptar é repetir o erro — com custo maior e vidas a menos. É por isso que a adaptação precisa deixar de ser exceção reativa e virar política pública estruturante. Precisa de governança, de escala, de avaliação.

A iniciativa Cidade +2°C não oferece soluções prontas. Ela propõe uma mudança de abordagem: enfrentar o real, com seus limites e contradições, e construir soluções a partir do que é possível. Fazer convergir conhecimento técnico, inovação, financiamento e pactos sociais em torno de um novo urbanismo climático.

Porque a crise já está aqui. E o futuro, por mais improvável que pareça, ainda pode ser construído.

Élcio Batista
Coordenador do Programa Cidade +2°C do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper (Insper Cidades)

Hannah Arcuschin Machado
Coordenadora-adjunta do Programa Cidade +2°C do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper (Insper Cidades)

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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