A Reurbanização do Prédio Martinelli

28 de março de 2023

A Prefeitura de São Paulo anunciou, no dia 6 de março deste ano, o resultado da licitação para concessão de uso do terraço, dos andares finais e da loja 11 do Prédio Martinelli, icônico edifício situado no Centro de São Paulo, totalizando uma área de 2.570 m².

A concessionária irá operar espaços de gastronomia e de festas e eventos culturais, devendo restaurar os espaços, implantar melhorias de acessibilidade, segurança e zeladoria e implementar serviço de visitação pública. 

Os novos inquilinos encontram o Prédio Martinelli, concluído em 1934, em bom estado, condição que vem sendo mantida há quase 50 anos, desde que a então Empresa Municipal de Urbanização (EMURB) (atual SP Urbanismo) ocupou-se da reurbanização desse edifício.

O termo reurbanização hoje parece estranho, nomeando uma intervenção destinada à restauração e à requalificação de um imóvel representativo. Mas a ação entrou para a história da empresa com esse título: Reurbanização do Prédio Martinelli.

 À época, em 1975, os mais de 46.000 m² do então Edifício América — nome herdado do Banco América que, em 1947, arrematou o prédio em leilão — estavam divididos em 103 propriedades. Havia dez dos treze elevadores parados, pavimentos abandonados, instalações danificadas e violência entre moradores. Sindicatos, associações de classe, grupos teatrais e pequenos negócios misturavam-se a andares de apartamentos em que as condições de habitabilidade já iam perdidas. Responsabilidade diluída entre muitos proprietários, condomínio deficitário e interesses conflitantes foram os elementos que justificaram a intervenção pública nesse prédio simbólico.

Em 26 de maio de 1975 foi sancionada a Lei 8.255, disciplinando a reurbanização do Edifício América. O novo nome foi estabelecido — Prédio Martinelli — o uso residencial, eliminado; e as salinhas, banidas, com a definição da área mínima de 300 m² para as unidades autônomas sem acesso direto à rua.

À EMURB caberia a execução das obras de recuperação do prédio e sua administração até a conclusão do Plano de Reurbanização. Aos proprietários foi oferecida a possibilidade de adesão ao Plano, por contrato, mediante entrega de suas unidades desocupadas e a participação no rateio dos custos de recomposição. À EMURB foi atribuído o poder de adquirir ou expropriar as unidades cujos proprietários não tivessem aderido ao Plano.

A Prefeitura fixou o custo de adesão por m² e também o valor de indenização a ser pago aos proprietários excluídos do plano. Notícia de jornal da época documenta a insatisfação com o baixo valor destinado aos expropriados. Moradores “que não possuíam recursos”, cerca de 203 famílias, receberam verba e caminhão de mudança da Secretaria de Assistência Social para “conseguirem novas locações”. 

A ação, concebida pela então Coordenadoria de Planejamento — COGEP, hoje Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento — SMUL e executada pela EMURB, hoje São Paulo Urbanismo, vencidos os percalços próprios de ações pioneiras, foi exitosa e os objetivos de restauração e de recuperação das condições de uso do Prédio Martinelli foram alcançados.

Trata-se de um caso único, em que o Município, por meio de uma empresa pública, conseguiu recuperar um edifício degradado e de propriedade fragmentada entre diversos condôminos — situação que até hoje representa com um dos maiores obstáculos a ações dessa natureza.

As demandas sociais então acopladas à construção degradada não ocupavam em 1975 o lugar hoje conquistado e, sob o olhar presente, é incômoda essa ausência. Contudo, o instrumento utilizado para a recuperação do Prédio Martinelli, atualizado pelo conceito de reabilitação, que coloca sob foco também o destino de pessoas, mereceria novas oportunidades de aplicação, nos muitos edifícios sobreviventes de técnicas e modos de vida passados. Edifícios que foram cenários de antigas histórias e que devemos querer que permaneçam, para comprovação de nossa passagem neste lugar.

Fontes:

• Castello Branco, Bernardo José. Escritório Técnico J.C. de Figueiredo Ferraz. Projeto de Restauração do Prédio Martinelli. 1976.

• Coordenadoria Geral de Planejamento (COGEP), São Paulo, Cidade. Projeto Centro. 1975. 

• EMURB, São Paulo, Cidade. Recuperação do Martinelli — Atas, Cartas, Plantas, Organograma Físico. 1976-1977.

Texto de autoria de Rita Gonçalves, arquiteta sênior e responsável pela coordenação urbanística do PIU-Setor Central na SP Urbanismo.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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