A Operação Urbana Consorciada e a venda de potencial construtivo na cidade do Rio de Janeiro
29 de janeiro de 2025Nos últimos anos, o Rio de Janeiro tem enfrentado um processo controverso relacionado ao uso equivocado das Operações Urbanas Consorciadas (OUCs), um importante instrumento do Estatuto da Cidade, alterando profundamente a lógica de evolução urbana da cidade nas últimas décadas.
De acordo com o artigo 32 do Estatuto da Cidade, uma Operação Urbana Consorciada é “o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal, com a participação de proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”. Contudo, a partir de 2022, esse instrumento tem sido utilizado de forma distinta, contrariando seus objetivos originais.
As OUCs propostas para a cidade têm focado em fornecer potencial construtivo para que entidades ou proprietários de terra possam vender esse potencial para áreas receptoras. Sem entrar no mérito das operações ainda em tramitação na Câmara de Vereadores, já podemos identificar quatro OUCs aprovadas que utilizam o mecanismo de Transferência do Potencial Construtivo (TDC) para diferentes áreas da cidade. Essas OUCs incluem, em ordem cronológica, o Parque Natural Municipal da Barra da Tijuca (2013), o Parque Municipal de Inhoaíba (2022), o Estádio de São Januário, no bairro Vasco da Gama, e o Autódromo Parque de Guaratiba, ambos aprovados em 2024.
O uso do TDC deveria ser prioritariamente aplicado a casos de imóveis tombados, permitindo a transferência do potencial construtivo para viabilizar a preservação desses bens. Normalmente, essas operações seriam realizadas em pequena escala. Entretanto, as leis complementares que regulamentam essas OUCs permitem a venda de grandes volumes de potencial construtivo para áreas receptoras, com o objetivo de financiar projetos específicos. No caso das três últimas OUCs citadas, o objetivo é a construção de equipamentos urbanos.
O aspecto mais preocupante desse processo não é apenas o uso inadequado das OUCs, mas também a escolha das áreas receptoras. Essas áreas estão predominantemente localizadas na Baixada de Jacarepaguá, mais conhecida como Barra da Tijuca. Essa região foi objeto do Plano Lucio Costa, elaborado em 1969, que, apesar de críticas, ainda oferecia diretrizes de planejamento urbano. Infelizmente, o plano foi progressivamente desvirtuado ao longo das décadas.
As novas OUCs estabelecem parâmetros de ocupação que divergem significativamente das diretrizes da Lei de 1981, que consolidou o Plano Lucio Costa. Na maior parte, essas alterações resultam em um aumento significativo de densidade e em novos usos anteriormente não previstos para a área. Um exemplo claro é a mudança nos “núcleos”: Costa havia planejado que, a cada quilômetro, houvesse núcleos com torres altas, uma característica ainda visível na paisagem da região. Com as novas OUCs, torres serão construídas entre essas distâncias de um quilômetro, comprometendo irreversivelmente a paisagem planejada.
Dessa forma, o Plano Lucio Costa perde sua relevância na paisagem da Barra da Tijuca. A responsabilidade pela forma urbana e pela transformação da região não pode mais ser atribuída ao urbanista, mas às decisões políticas e ao uso inadequado dos instrumentos urbanísticos, como as OUCs.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.