A melhor parte da viagem é o caminho, não o destino

19 de agosto de 2025

Sim, você está no Caos Planejado. E não, apesar do título, este não é um texto motivacional. A pauta aqui ainda é a cidade, e falaremos especificamente de mobilidade. É que um amigo contou um caso curioso. Recentemente, seu carro quebrou e precisou ficar na oficina mecânica por uma semana. Pesaroso, contou o ocorrido ao filho pequeno, perguntando se tudo bem irem até a escolinha de ônibus nos dias seguintes.

“Ônibus? Aquele verde e grandão que passa na rua da escola?”, teria questionado o filho. No que o pai respondeu positivamente, ouviu do pequeno um sonoro “Eeeeeebaaaaaaa!!!!”.

Pensei então nas idas com meus filhos pequenos ao Centro de São Paulo. Nas vezes em que fomos ao Parque Augusta, ao Farol Santander, à Pinacoteca ou ao Sesc 24 de Maio de carro, fiquei com a sensação de que o passeio só começou realmente quando chegamos ao destino.

Quando vamos de ônibus ou metrô, ao contrário, o passeio parece começar logo que saímos de casa, na caminhada até o ponto de ônibus ou até a estação. Arrisco-me a dizer que o percurso no transporte público é uma das partes mais divertidas, da qual eles mais gostam.

Do alto do ônibus, afinal, eles conseguem contemplar melhor o caminho, se distrair com o cenário, além de interagir mais comigo, já que minha atenção não está voltada quase que completamente ao trânsito, como costuma acontecer quando estou dirigindo. No metrô, é visível o entusiasmo deles com o visual futurista, a velocidade, os túneis, os labirintos de corredores e escadas nas estações. 

“A melhor parte da viagem é o caminho, não o destino”, já diz o chavão existencial que dá título ao artigo. Se isso é verdade para a vida, também pode ser verdade para os trajetos que percorremos no dia a dia de transporte público. E não apenas para as crianças, mas também para nós, adultos.

Em muitas ocasiões, no passado, fui ao trabalho de carro. Por mais que pudesse me distrair com músicas ou algum pensamento aleatório no caminho, na maior parte do tempo tinha todas as atenções voltadas para o trânsito, torcendo apenas para chegar o mais rápido possível ao meu destino.

Desde que abandonei o automóvel, o caminho para o trabalho deixou de ser somente um simples deslocamento, um mal necessário. Quando estou com tempo, costumo optar pelo ônibus, cujo trajeto mais longo me permite ler um livro ou contemplar melhor a cidade, algo impossível quando se está preso a um automóvel, atento ao trânsito.

Se estou com pressa ou tenho algum compromisso logo cedo, opto pelo metrô, cujo trajeto é mais rápido, mas ainda assim permite uns preciosos minutos de leitura antes de chegar à estação mais próxima do trabalho.

Mas nem sempre opto por descer na estação ou no ponto mais próximo do meu destino. Enquanto um automóvel precisaria ser deixado naquele mesmo estacionamento de sempre nos arredores do escritório, do transporte público posso me dar ao luxo de descer um ou dois pontos antes para uma breve caminhada, quando consigo observar a vida amanhecendo na cidade, a própria cidade e suas constantes transformações.

A opção pelo automóvel costuma estar associada a praticidade e conforto, mas parece ignorar todas as possibilidades de um trajeto sem toda a atenção voltada para o trânsito. Quando a escolha se dá por uma questão de tempo, muitas vezes o ganho de 15 ou 20 minutos para chegar ao destino parece ignorar todo o tempo perdido dirigindo, que poderia ter sido melhor aproveitado no transporte público.

Curiosamente, tive a ideia para o artigo exatamente no ponto, enquanto esperava a chegada do ônibus. “Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca”, lembrei da famosa frase do Nelson Rodrigues. Isso porque, naquela manhã, um colega vizinho que também trabalha no Centro havia me oferecido carona, “vamos, a gente chega mais rápido de carro”, mas inventei uma desculpa qualquer e recusei a oferta.

No caminho, escrevi este artigo.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Economista pela FEA-USP, mestre em economia pela EESP-FGV e tem mais de 20 anos de experiência na área de pesquisas e estudos econômicos. Mora em São Paulo e caminhar pela cidade é um de seus hobbies favoritos ([email protected]).
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