Infelizmente não há como escapar de certas imposições da vida prática: enquanto o prazo final para envio da declaração do imposto de renda se aproximava, a recorrente discussão no grupo de pais me lembrava, mais uma vez, que precisaremos escolher a escola do nosso filho mais velho para o próximo ano, quando ingressará no ensino fundamental.
Entre uma e outra informação incluída no formulário do imposto, ao dar uma rápida espiada no grupo de pais para ver do que falavam, acabei me dando conta de que, mesmo sem sair de casa, ao menos tinha material para um novo artigo. Pois bem.
Recapitulando as conversas, foi possível identificar as diversas variáveis levadas em consideração na escolha da escola dos filhos, partindo do valor da mensalidade, é claro, mas passando também por tradição, estrutura, disponibilidade de áreas verdes, atividades complementares, idiomas e desempenho médio dos estudantes nos exames.
Não sei se também é assim em outras cidades, mas na capital paulista discute-se a escola em que o filho vai estudar como se quase somente disso dependesse seu futuro.
Lembro inclusive de certa vez, conversando com o editor de um jornal, quando ele elogiou meus textos e logo em seguida perguntou onde eu havia estudado “No Santa Cruz, no Vera, no Band, no Dante?”, como se apenas dos colégios da elite paulistana pudessem sair pessoas que mais ou menos se viram bem com a língua portuguesa.
Sem entrar muito nessa pilha, e influenciados pelo nosso estilo de vida e relação com o bairro, minha esposa e eu estamos tentando ser bem objetivos: para nós, a escola ideal será a melhor combinação possível de valor da mensalidade e necessidade de deslocamento, privilegiando a possibilidade de levar as crianças a pé, caminhar pelo bairro e fortalecer ainda mais a relação com a comunidade.
Inclusive porque temos o privilégio de viver em um dos bairros com maior IDH de São Paulo. Por mais que relações sociais desenvolvidas desde o berço pesem no futuro profissional em um país tão desigual como o nosso, elas estão bem longe de limitar as possibilidades futuras dos nossos filhos. E as escolas do bairro, com mais ou menos tradição, de maneira geral estão muito acima da média em quase todos os aspectos a serem considerados.
Voltando então ao formulário da declaração do imposto, ao incluir os valores pagos no ano passado referentes à escolinha, me peguei pensando se o abatimento sobre o imposto devido não deveria ser maior para quem matriculou os filhos bem perto de casa. Afinal, isso diminui a necessidade de deslocamentos e do uso de carro, beneficiando a cidade como um todo – só quem passa por escolas nos horários de chegada e saída dos alunos conhece o tumulto causado diariamente pelas longas filas de automóveis. Nas escolas públicas, por sinal, via de regra os estudantes já são matriculados nas unidades mais próximas de suas casas.
Com os avanços tecnológicos, hoje não é difícil, por exemplo, estimar a pegada de carbono associada a cada uma das nossas escolhas. E levar os filhos a pé ou de bicicleta para escola significa menos emissões, além de menos congestionamentos, mais gente na rua e bairros mais vibrantes. Por que, então, não incentivar uma escolha como essa?
E os incentivos não precisariam se restringir ao imposto de renda. Eles podem se estender a estímulos também para as escolas, utilizando impostos municipais, com metas de alunos matriculados morando em um raio próximo se convertendo em benefícios tributários e os benefícios se convertendo em descontos nas mensalidades. Que tal?
Sim, é verdade, nosso modelo de escolha seria diretamente beneficiado pela medida. E tudo bem, já que não apenas nós, mas a cidade como um todo sairia ganhando caso mais famílias abandonassem os automóveis e também optassem por levar os filhos para a escola a pé.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.