A influência dos lotes na forma urbana da cidade do Rio de Janeiro

14 de agosto de 2024

Uma das grandes e mais visíveis diferenças entre a cidade do Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil está na característica do seu perfil edilício. Nas áreas residenciais da cidade, como a Zona Sul e parte da Zona Norte, temos edifícios colados uns nos outros, formando uma fachada única que preenche toda a quadra. Diferente das edificações residenciais em cidades como São Paulo ou Fortaleza, por exemplo, onde os edifícios estão no centro do terreno, com afastamentos em todos os lados do lote, permitindo que o edifício tenha quatro ou mais fachadas, no Rio de Janeiro essa construção normalmente tem apenas duas fachadas. Isso é uma marca da cidade.

Essa situação se dá pelo perfil fundiário, ou seja, a constituição do loteamento original dos bairros, com lotes de dimensões pequenas, com pouca testada e profundidade. A tradição urbanística da cidade sempre produziu legislações edilícias baseadas nesse perfil existente, ou seja, os lotes, que originalmente serviam para casas, deram lugar a edifícios sem precisar juntá-los para aumento de suas áreas.

Podemos observar essa característica em várias áreas da cidade. No centro do Rio, na área conhecida como SAARA, um importante polo de comércio popular, os lotes têm larguras pequenas e muita profundidade. Eles foram divididos, na época de sua ocupação, com três braças de frente, uma unidade de comprimento antiga, o que caracterizava os casarios então construídos com três vãos: uma porta e duas janelas, ou, no caso de lojas, três portas, sendo que uma das portas leva a uma escada que atende os demais pavimentos.

No caso de Ipanema, a transformação se deu pela conversão das casas originárias de sua ocupação em edifícios. Já em Copacabana, tivemos mais fases: até a década de 1940, as edificações, que já haviam substituído as casas, tinham uma média de 5 pavimentos, e passaram a ter de 10 a 12 pavimentos sem mudar em nada a configuração dos lotes. Somente na década de 1960 vemos o surgimento de alguns edifícios em altura no centro dos terrenos, o que marca e identifica exatamente essas edificações na paisagem.

Mas poderíamos nos perguntar: por que então não se juntam lotes para construir edifícios mais altos? Hoje, em bairros da Zona Sul, como Leblon, Ipanema e Copacabana, isso não faz tanta diferença, pois não altera (ou altera pouco) o número de pavimentos permitidos. Na década de 1970, tivemos sim o aparecimento de edifícios mais altos, com garagens elevadas e torres de 18 pavimentos. Porém, esse modelo não se espalhou tanto ao ponto de marcar a paisagem.

Na minha visão, a opção por edificar em lotes únicos e pequenos se dá por alguns motivos: o fato de termos um coeficiente de adensamento igual nos dois modelos faz com que a área de unidades a ser vendida se equivalha; a dificuldade de negociar a compra dos lotes, muitas vezes com diversos proprietários, fez com que se optasse por não esperar a compra de mais área para lançar o empreendimento, já que a legislação, como visto anteriormente, sempre permitiu edificar em lotes pequenos. 

Nos edifícios situados no centro dos terrenos, é comum a instalação de grades e guaritas na frente dos lotes. Embora isso ofereça uma sensação de segurança para os moradores, não proporciona a mesma sensação para os pedestres na rua. Em contraste, o modelo de ocupação urbana de edificações em lotes menores permite uma maior integração dos edifícios com a rua, conferindo mais vitalidade a essas áreas.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ (1991), é Mestre em Arquitetura (2010) e Doutor em Arquitetura (2014) pelo PROARQ da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. É professor da Universidade Veiga de Almeida e do Mestrado Profissional no Programa de Pós-graduação em Projeto e Patrimônio da UFRJ. Sócio do escritório DCArquitetura e consultor de Planejamento Urbano. Autor de quatro livros sobre as transformações urbanas da cidade do Rio de Janeiro.
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