A graça da imperfeição e o Caos Planejado

21 de setembro de 2023

Jaime Lerner, em muitos sites de consulta, em muitas listas, em muitos círculos virtuosos vai ser sempre identificado como arquiteto, referência em planejamento urbano. Para mim, era meu pai e mesmo assim, nunca consegui enxergá-lo sem essa bagagem institucional. Meu pai foi a pessoa mais feliz que conheci, e talvez por isso nunca conseguiu separar a “pessoa física” da “jurídica”. Ser arquiteto, lidar com cidades, era sua essência. Profissionalmente era a pessoa mais realizada do planeta, amava o que fazia incondicionalmente e esse prazer vinha de uma certeza que acompanha aqueles que intuitivamente entendem o mundo. 

Perdi meu pai em maio de 2021 e recebemos, eu, minha irmã e nossas famílias, inúmeras e inesquecíveis manifestações de carinho e reconhecimento. Uma cidade inteira nos acolheu. Esse turbilhão de afeto, mesmo em meio a dor da perda, nos emocionou e nos fez refletir o quanto ele tocou positivamente a vida de tantas outras pessoas. 

A nós, entre todas as heranças, coube a mais importante, o legado. 

Transformamos então a herança em missão. Assim ressurgiu o propósito do Instituto Jaime Lerner, transmitir o legado.

O Instituto Jaime Lerner existe há anos. Sempre teve um papel discreto entre todas as atividades que meu pai hiperativamente fazia. Mas sempre foi especial. Sempre teve em sua essência a transmissão de um saber, mais que isso, a transmissão de um amor pela cidade. 

Acima de tudo, meu pai foi um entusiasta das cidades. Ali ele depositava suas ideias, sua genialidade, seu entusiasmo e sua paixão. A cidade como foco e como agente de transformação da vida das pessoas e do mundo. 

Todo seu trabalho gira em torno dessa ideia fixa onde a cidade é a solução, é o cenário do encontro, é proposta para a escala humana, é palco da vida. 

Ele tinha um olhar generoso sobre as cidades, às vezes interpretado como um otimismo romântico. Ele realmente acreditava que as cidades são o lugar onde viver expressa a tolerância e a coexistência. Para ele, diversidade, múltiplas funções, prosperidade e sustentabilidade eram os ingredientes para essa equação funcionar, tudo junto e misturado. A cidade que não separa idades, crenças, rendas, funções. A cidade real, a cidade que é boa, é uma cidade que deve ser feliz pra todos.

Ao Instituto, cabe agora celebrar essa ideia e sua força. Aqui, a cidade será tema, reflexão, projeto, discussão, aprendizado, história, inovação. Nele, a pesquisa, os encontros e diversos eventos terão espaço. Uma série de atividades estão sendo formatadas para que o legado transcenda palavra e memória, que passe a ser ação. Aqui é mais um espaço para isso.

De uma de suas muitas viagens, meu pai trouxe a lembrança de uma frase admirável que encontrou escrita em um banco de praça: “Mais vale a graça da imperfeição que a perfeição sem graça”. Ao refletir no que compartilhar neste texto inaugural, essa amostra de gentileza urbana me voltou à memória, pois me parece estar no mesmo compasso ao que se propõe o “Caos Planejado”: trabalhar a cidade possível.

Essa coluna compartilhará reflexões que compõem facetas deste debate, com o desejo de envolver a sociedade nestas discussões. Aqui teremos voz, nossa própria, de nossos colaboradores ou de pensadores convidados; gente que divide esse entendimento, que tem o comprometimento com uma visão de mundo onde a cidade é feita para a escala do homem. Assim meu pai, bem como suas ideias, estará sempre vivo, sempre presente. Curitiba e muitas das cidades onde ele trabalhou, tem muito dele. Nossa casa, sede do Instituto também. Esperamos que vocês também o encontrem por aqui!

Coluna de autoria de Ilana Lerner.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Com base na experiência de Jaime Lerner e das equipes que com ele trabalharam, o Instituto Jaime Lerner almeja despertar uma consciência positiva sobre o potencial transformador das cidades e seu desenvolvimento sustentável, inclusivo e criativo. ([email protected])
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