A Favela quer brincar! (Re)conexões a partir dos espaços públicos

17 de fevereiro de 2023

Em 2022 a Organização das Nações Unidas (ONU) revela que a cada oito habitantes no planeta, um mora hoje em favelas, ou seja, 1 bilhão de pessoas estão sobrevivendo, resistindo e buscando encontrar soluções em territórios periféricos.

O número por si só, assusta, e cada vez mais pesquisadores, órgãos públicos e privados têm voltado suas lentes de interesse para entender o processo de formação, os desafios, a potência e economia local, a resiliência, o viver, o morar, por fim os problemas.

Neste sentido ao longo desse ano, apresentarei um conjunto de reflexões com um viés pautado em assentamentos urbanos precários a partir de um olhar que demonstre as possibilidades encontradas pelos moradores além de realizar uma análise crítica que enfatize a importância de novas e/ou existentes medidas para norteamento de futuras intervenções.

A importância dos espaços livres para o desenvolvimento da vida nas cidades é uma preocupação recorrente nos diversos campos que permeiam os estudos urbanos, dado que constituem para diversos aspectos como a amenização climática, a articulação de fluxos, as atividades de lazer, entre outros.

O processo de ocupação habitacional dentro da favela do Jardim Colombo, situada na zona oeste de São Paulo, ainda em consolidação, é motivo de inquietação a ausência de equipamentos urbanos e de espaços para atividades recreativas, culturais e esportivas.

Nas favelas existe uma apropriação dos espaços livres públicos restantes, seja dos poucos canteiros ou calçadas, de forma improvisada pelos moradores, servindo como meio de estar e ficar, para atividades do ócio, conversas e troca de relação devido à ausência de qualquer espaço adequado ao convívio.

As vielas e becos de formatos variados, cobertos, e descobertos, por vezes conectando o acesso de uma rua a outra, escuros ou iluminados, lugar de passagem ou extensão dos quintais das casas para crianças brincarem e correrem são as veias da comunidade.

Por não haver espaços destinados à cultura, para algumas atividades específicas durante o ano as ruas são fechadas ao trânsito de veículos e reservadas aos eventos, shows, apresentações e feiras.

No caso do Jardim Colombo, um antigo lixão denominado pelos moradores de Fazendinha, trouxe novas perspectivas e caminhos para a criação de uma área de convívio e lazer para a favela, após a concretização de diversos mutirões, os moradores redescobriram a possibilidade de percorrer o antigo terreno de plantio e criação de animais.

Nos meses subsequentes ficou claro para o Instituto Fazendinhando (organização responsável por construir ao lado da comunidade tal iniciativa) a importância da criação de vínculos no espaço ainda em construção, para despertar a curiosidade e a imaginação das crianças de forma lúdica, sem determinar suas formas de apropriação, permitindo criações e transformações no seu uso, construindo uma cultura de paz, com a realização de festivais, atividades recreativas, socioambientais e socioeducativas no local, afim de fortalecer os laços comunitários.

Hoje, o trânsito tomou conta das ruas, e os edifícios ocuparam o terreno dos quintais. A complexidade crescente da vida urbana não permite que as crianças transitem livremente, com segurança pelas ruas. As famílias restringiram o número de seus filhos, a cidade cresceu, as distâncias aumentaram.

Para conviver com outras crianças, a criança de hoje, com alguma sorte, pode contar com o playground dos prédios (quando existem e estão aparelhados para atendê-las) ou com a disponibilidade dos pais para levá-las às casas distantes de outras crianças.

As cidades serão mais inclusivas, participativas, preservadas e humanizadas, quando forem co-criadas pelos diferentes perfis existentes da nossa sociedade. As construções que permeiam os diferentes espaços, cresceram e não incluíram as crianças no seu crescimento. E a criança hoje, morando numa cidade grande, não tem espaço para sua brincadeira.

Pensando nisso também, é que se busca na Fazendinha, envolvê-las cada vez mais, tanto para se sentirem pertencentes deste lugar, quanto para manifestarem seus desejos e recuperarem o espaço do brincar.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta e ativista urbana, pós graduada em urbanismo social e habitação e cidade, mestre em Projeto, Produção e Gestão do Espaço Urbano, Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo, atua com a gestão de projetos e ações sociais em territórios periféricos no Instituto Fazendinhando.
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