A diversidade não está no discurso

8 de dezembro de 2023

Se dá pra construir comunidades homogêneas, dá pra fazer o contrário

Dos 3 aos 9 anos, eu morei em uma superquadra da Asa Sul, em Brasília, onde todos os edifícios eram de apartamentos funcionais.

No meu prédio, todos trabalhavam no Banco do Brasil, e eu só convivia com filhos de bancários: tínhamos as mesmas coisas, íamos aos mesmos lugares, nos encontrávamos no mesmo clube no final de semana. De diferente, apenas as origens, o que se materializava basicamente nos sotaques e nas comidas. O bloco K era um grupo homogêneo.

Aí, a gente descia para brincar no parquinho e nos espaços livres da quadra. Lá, todos eram filhos de outros funcionários públicos: a 213 Sul também era um grupo homogêneo.

A superquadra sempre foi uma comunidade homogênea, por mais que Lúcio Costa tenha dito no Relatório do Plano Piloto que haveria diversidade naqueles prédios todos iguais e que isso traria pessoas de diferentes faixas de renda para morarem todas juntas. 

Segundo ele, tal diversidade poderia ocorrer a partir de “uma maior ou menor densidade, do maior ou menor espaço atribuído a cada indivíduo e a cada família, da escolha dos materiais e do grau e requinte do acabamento”.

As intenções eram boas, mas a ingenuidade era grande. O mundo lá fora está aí para nos mostrar o contrário.

A diversidade, tão essencial aos espaços públicos por nos permitir ver as diferenças e aprender com elas, crescendo como cidadãos, não é algo que se obtenha por discurso. Ela precisa ser desenhada, materializada em edificações variadas, erigidas em lotes variados, com unidades residenciais e comerciais de tamanhos diferentes e com diferentes características. Mas ela vai além do tipo de lote, edifício, unidade, característica.

A diversidade passa também pela relação área pública/área privada do bairro, e de como o solo urbano é mais ou menos bem aproveitado, se o sistema viário é conectado ou não, se as áreas livres públicas estão dispersas ou concentradas — tudo isso que vários autores vêm nos mostrando.

Em particular, este estudo de Frederico de Holanda é interessante para mostrar que o acesso de diferentes parcelas da população à moradia não depende apenas de estar mais ou menos próxima ao centro da cidade. Uma série de fatores de configuração locais, como esses elencados no parágrafo anterior, são cruciais para isso.

Se a única forma de moradia reinante na redondeza são prédios de 6 pavimentos sobre pilotis, com garagens e elevadores, dispostos livremente em uma quadra cuja porcentagem de área livre pública é 85%, o universo de pessoas que têm condições financeiras ou interesse de morar lá se torna enormemente limitado.

E se, nessa mesma redondeza, o único tipo de loja/sala comercial disponível para alugar/comprar são espaços gigantes em prédios com acesso por biometria, só uma certa gama de negócios vai lá se instalar e apenas certos grupos sociais vão poder consumir esses produtos ou serviços. Isso tudo significa que os espaços públicos circundantes a esses locais refletirão, de saída, uma comunidade homogênea.

A teoria da aprendizagem social ensina que a gente aprende muito convivendo com as pessoas e observando-as. Na verdade, é também assim que a cultura se transmite, se perpetua. 

A gente aprende a ser, a fazer, vendo os outros sendo, fazendo. Eu, criança, só convivia com meu próprio grupo social e era só o comportamento dele que eu observava. As oportunidades que eu tinha de observar o funcionamento de pessoas diferentes eram mínimas. A gente finda achando que o mundo é só a nossa bolha. Isso não é legal. Nem pra gente, nem pro Brasil.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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