Organização liderada por mulheres, movida pela urgência de alcançar a equidade de gênero e enfrentar a crise climática, desenvolve cidades caminháveis com o protagonismo da cidadania. ([email protected])
As prefeituras deveriam aproveitar a cidadania como fiscais; pelo contrário, dificultam a participação e denúncias das pessoas
Você está caminhando na rua e, de repente, vê um buraco na calçada e pensa: “que absurdo, eu poderia cair aqui, é um perigo!”. Logo conclui: ”vou denunciar”. Mas, então se lembra que não sabe como fazer isso. Com quem falar? Como conseguir respostas? Vai adiantar em algo?
Todas as pessoas já se questionaram sobre a possibilidade de mudar alguns problemas na cidade. Pode ser uma lâmpada queimada, uma calçada esburacada, um carro estacionado em local indevido, e por aí vai. Participar deveria ser fácil, mas na maior parte das vezes não é.
As prefeituras têm seus canais de atendimento ao cidadão, representados por números como 156 (São Paulo, Manaus, Recife, Porto Alegre), 1746 (Rio de Janeiro), entre outros, que podem ser acionados por telefone, através do site ou em algum local físico (no caso de São Paulo, nas subprefeituras).
Mas, é fácil fazer isso?
Nos últimos meses, nós, da equipe do Instituto Caminhabilidade, temos nos dedicado a encontrar soluções com a CET e a Prefeitura de São Paulo para tornar seguro o acesso da Ponte João Dias até o Parque Bruno Covas Novo Rio Pinheiros. Uma das nossas demandas é a criação de uma travessia para pedestres, já que as visitas ao local revelaram a dificuldade de atravessar uma avenida movimentada, com carros a 70 km/h e quatro faixas.
Diariamente, trabalhadores e moradores das comunidades ao redor enfrentam esse desafio, como pudemos constatar na nossa última visita para conhecer a Manuela, coordenadora do CCA Peinha, que faz caminhadas rotineiras com as amigas no Parque para saúde e esporte. Apesar da Peinha estar a 5 minutos caminhando do acesso pela Ponte João Dias, muitas vezes elas optam por andar 1h30 até a Ponte Laguna, devido ao perigo da travessia.
Durante nossos estudos para o Laboratório Rio Pinheiros e o projeto Caminhando Juntas, identificamos problemas e propusemos soluções, como travessias semaforizadas e ciclovias. No entanto, percebemos que a mudança exigiria uma união de esforços. Assim, decidimos convidar mais pessoas a registrar uma denúncia no Portal 156 da Prefeitura de São Paulo para solicitar uma sinalização adequada.
Soluções para a Ponte propostas pelo Instituto Caminhabilidade no relatório Caminhando Juntas (Fonte: Caminhando Juntas Rio Pinheiros, Instituto Caminhabilidade, 2023)
No entanto, notamos que os pedestres passaram a ser cada vez menos uma prioridade nos últimos anos. O portal 156, da Prefeitura de São Paulo, apresenta na sua página inicial opções como serviço funerário, lixo e limpeza e finanças, além das seções rua e bairro e trânsito e transporte, que não apresentam facilmente pedido para travessias.
Por isso, escolhemos o caminho de encontrar a opção PEDESTRES, que parece um pouco mais intuitivo. Mas, para isso, é preciso clicar em “ainda não encontrou” duas vezes.
Ao achar finalmente a categoria PEDESTRES, é necessário selecionar o item de Travessia de Pedestres, para, aí sim, fazer a solicitação.
Com esse caminho longo, a cidadania, que já não sabe como participar, fica ainda mais desanimada a somar com a construção coletiva da cidade!
Os pedidos são atendidos?
Mesmo alguém que quer se dedicar a participar, ainda assim se pergunta se o seu esforço tem resultado.
Os pedidos que atrapalham o fluxo dos carros são super eficientes. Ou seja, se você se deparar com um semáforo quebrado, pode ter certeza que, assim que ligar para o 156, algum carro da CET chegará em questões de minutos.
Mas, e para pedir uma travessia segura? Em 2020, após ter registrado diversas vezes um pedido no 156 para uma travessia de pedestres e não receber qualquer retorno, aproveitamos que estava sem movimento de carros na pandemia e, nós mesmas, fomos pintar uma faixa de pedestres cidadã em uma alça da 23 de Maio, onde milhares de pessoas atravessam diariamente para acessar um ponto de ônibus.
Depois de algumas semanas, para a nossa surpresa, a CET pintou a faixa oficial por cima. O caso foi registrado no livro “URBANISMO TÁTICO: UM GUIA PARA AS CIDADES BRASILEIRAS”. Confira:
(Fonte: Urbanismo Tático – Um guia para as cidades brasileiras, Rio Books, 2021)
Essa história mostra como, apesar das prefeituras disponibilizarem canais oficiais de denúncia para se ter respostas rápidas, ainda é preciso usar de outras estratégias, como hackear a cidade, fazer pressão pública e ir na mídia.
Em vista disso, por que ainda insistimos em fazer uma mobilização para mais pessoas pedirem essa travessia na Ponte João Dias através do 156?
Pois, quando há muitos pedidos, também conseguimos gerar dados e chamar a atenção para a situação. Encaramos o 156 menos como um canal de soluções e mais como uma oportunidade de gerar mais evidências e poder culpar a prefeitura pela inação, mesmo tendo conhecimento das questões!
As prefeituras deveriam enxergar a cidadania como fiscais e pessoas ativas em toda a cidade e, dessa forma, facilitar o processo de participação e denúncia. Porém, enquanto não somos vistas dessa forma, precisamos continuar mobilizando e pressionando por mudanças para tornar os lugares mais acolhedores, democráticos, seguros e inclusivos. Por isso, convidamos vocês a somar com a gente e pedir por mais essa melhoria na cidade!
Afinal, quem entende mais do espaço público do que nós?
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.
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