A culpa é sempre do edifício alto: o caso do Edifício Duque de Caxias

6 de setembro de 2023

O jornal Sul21 divulgou uma matéria sobre um novo empreendimento de 41 andares que está em aprovação no Centro de Porto Alegre. Trata-se de uma edificação de 98 metros de altura destinada ao uso residencial, com comércio nos primeiros pavimentos, voltados para ambas as ruas com que faz frente. Na Rua Fernando Machado, já existe um supermercado. Na Rua Duque de Caxias, ficarão as lojas descritas na reportagem. 

A matéria relata o processo de aprovação de projeto que vem ocorrendo, já que se trata de uma construção abandonada por décadas e que se beneficia de uma lei de 2013 — “Lei dos Esqueletos” — para sua conclusão. A reportagem também comenta sobre a exigência da legislação de proteção de bens tombados, existentes ao lado do terreno, descreve as tipologias e quantidade de apartamentos, área construída, vagas de garagem e as mudanças de altura durante o processo.

Não vou entrar no mérito se as tipologias propostas lá são adequadas ou não e nem sobre o rito de aprovação que ainda não está finalizado na prefeitura. Vou, sim, falar do que é possível perceber nas imagens que foram divulgadas e da questão da “sombra”, relatada como um problema por sombrear a Catedral Metropolitana e o Palácio Piratini.

Se o problema for, de fato, a sombra gerada pela edificação alta sobre dois dos mais importantes edifícios públicos de POA, paradoxalmente, se o edifício fosse mais alto e, consequentemente mais esbelto, produziria menos sombra na vizinhança.

A questão é que a volumetria proposta, além de alta, é bastante larga, o que resulta no agravamento na sombra gerada. Locais que possuem planejamento específico para edifícios altos argumentam que, de preferência, as torres devem ser “finas” ao invés de grandes “barras” como, aparentemente, é o caso desse projeto. Sendo mais “fina” a sombra produzida seria, digamos, mais pontual nas quadras vizinhas.

Bem, com a descrição acima, parece que estou me referindo a realizar um edifício semelhante ao Residencial Figueira Altos do Tatuapé, uma torre isolada no lote. Não estou. Pois, há uma outra condicionante que pode relativizar bastante esse efeito: a legislação de proteção de bens tombados como patrimônio histórico.

A lei, como explica o jornal, prevê edifícios de no máximo 45 metros ao lado ou na área de entorno do edifício tombado. Por que, então, a edificação alta proposta não compatibiliza sua volumetria primeiro com a altura dos edifícios históricos, depois eleva o restante até 45 metros de altura — conforme exigido na lei — para depois, com alguma transição volumétrica, erguer um outro volume, mais esbelto, até o ponto necessário para que se utilize todo o potencial construtivo? 

Com isso, resolveria o problema da sombra agressiva e haveria uma massa de edificação “escalonada” que, de certa maneira, se contextualizaria com o bem tombado e, inclusive, com os demais edifícios vizinhos que possuem em média 15 pavimentos. A grande altura ficaria como coadjuvante na percepção de quem passa pelo local.

Entretanto, eu imagino o porquê disso não acontecer: a legislação não permite volumetrias “escalonadas”, no máximo há um embasamento de pouca altura. Precisa-se respeitar um recuo de altura, bastante considerável, do início ao fim do volume proposto e o que acontece? A culpa recai, sempre, no edifício alto. 

Algumas vezes já argumentei por aqui. Enquanto não houverem flexibilizações nas regras para que a edificação em altura se encaixe mais adequadamente no contexto existente, não haverá santo que tire a sua culpa por prejudicar e agredir o ambiente e a paisagem em que está inserida.

Aos desenvolvedores, que tanto olham referências de outras edificações em diversos cantos do mundo, essa torre possivelmente será a mais vista na paisagem do Centro Histórico. Será mesmo a melhor linguagem arquitetônica para o corpo da edificação que estará no cume da península da cidade? Lembro de um texto do presidente do CTBUH, Antony Wood, que falava da responsabilidade ao projetar grandes edificações, pois essas serão vistas e lembradas por 100 ou até 200 anos para não dizer mais, quem sabe.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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