A culpa é do elevador

9 de novembro de 2023

A culpa não é dos carros. É do elevador.

Não adianta achar ruim. A culpa é do elevador.

O primeiro que se tem notícia foi inventado por Arquimedes, no ano de 236 antes da era comum. Os gladiadores e animais já eram transportados para a arena por um elevador por volta do ano 80, e o Castelo de Versalhes, construído por Luís XV, já tinha o seu em 1743.

Com a revolução industrial, os elevadores passam a ser movidos por motores a vapor, voltados para movimentação vertical de cargas, até que Elisha Otis apresenta sua versão na Feira Mundial de Nova Iorque de 1854 e instala seu primeiro elevador numa loja de departamentos com 5 andares.

Instalar um equipamento que parece uma locomotiva a vapor numa grande loja de departamentos, vá lá, mas num prédio residencial de poucos pavimentos, não cola.

Não cola porque é grande demais, caro demais, barulhento demais e demanda gente operando e fazendo manutenção constantemente. Não cola.

Ou melhor, não colava, até que a energia elétrica aparece, se populariza e ganha as cidades, os corações e mentes das pessoas. A década de 1880 viu surgirem elevadores movidos à eletricidade (Werner Von Siemens, 1880) e o sistema de portas (Alexander Miles, 1887). 

Até esse momento da história, os prédios tinham, quando muito, 6 pavimentos (o último pavimento, a mansardas, para habitação dos empregados e depósitos). Não que já não houvesse tecnologia para ir além, mas por uma limitação prática, mundana: quem se interessaria em morar ou trabalhar num local com mais de 5 ou 6 lances de escada?

Pois é, praticamente ninguém e, assim, as cidades foram se consolidando com prédios de 6 pavimentos ou menos.

Até a popularização do elevador elétrico.

De repente, a tecnologia de estruturas e materiais ditavam os limites, e os empreendedores começaram a sonhar – e a investir – em arranha-céus.

Se a década de 1930 viu surgir o Empire State Building e seus 102 pavimentos em Nova Iorque, São Paulo viu os edifícios Sampaio Moreira (12 pavimentos) em 1924 e o Martinelli (30 andares) em 1929, concorrendo em altura, na mesma época, com o edifício A Noite, no Rio. Belo Horizonte inaugurou o seu primeiro arranha-céus em 1935, o edifício Ibaté.

Verticalizar deixou de ser um problema, e ganhou o verniz da ousadia, do desafio tecnológico, e substituir construções compactas e baixas (até 6 pavimentos) por espigões deixou de comprometer a densidade das cidades.

Deixou de comprometer a densidade das cidades… até que a burocracia se arvorasse em criar cada vez mais restrições e afastamentos, resultando em verticalidade sem densidade.

Dizem que um avião não se acidenta por menos de 3 problemas superpostos. Na cidade é a mesma coisa: as cidades deixaram de ser compactas, perderam a escala humana e a densidade. 

Foi a tempestade perfeita, e o resultado pode ser visto de sua janela (de qualquer janela, em qualquer prédio, em qualquer cidade brasileira).

Se na aviação cada acidente serve como mola propulsora para incremento dos sistemas de segurança e melhoria no treinamento dos pilotos, na cidade nada acontece e nenhum aprendizado é gerado, já que não há fatalidades.

Não há culpados, não há avaliação de resultados, e não há prejuízo econômico direto. Apenas uma população de baixa renda alijada da cidade, como cidadãos de segunda classe.

A culpa é do elevador.

E dos carros.

E dos burocratas que planejam o desenvolvimento das cidades, surdos e fechados em seus gabinetes.

E nossa, que achamos tudo bom.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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