Os desafios são os mesmos, em Brasília e em qualquer lugar do Brasil.
Esta é minha quinquagésima coluna e, assim como ocorreu com meu quinquagésimo aniversário, fiquei em crise (o fato de eu ter feito 50 na pandemia definitivamente não ajudou em nada). Algo, talvez, a ver com sentimento de obsolescência programada. “Já escrevi 49 textos” – disse pro Paulinho, meu marido – “não tenho mais nada pra dizer.”
Ele, que me conhece bem, sorriu como quem pensa “Ai, meu Deus, lá vem!”, mas só disse mesmo “Você quem sabe!”
“Talvez eu tivesse mais coisas para dizer pra quem é de Brasília, uma realidade que eu conheço bem”, continuei, “mas será que eu ainda teria algo útil para oferecer a quem está em outros lugares do Brasil?”
Esse é um dos dramas do conhecimento científico. O que se aplica aqui, o que se descobriu ser válido pra cá, será também válido para outras realidades, outras condições de temperatura e pressão, outras latitudes e longitudes?
Aí comecei a pensar em Carl Sagan e suas condições do conhecimento científico, sendo ceticismo a primeira delas, claro, seguida de evidência empírica, busca por consistência e…
Estava nessa, quando Paulinho se levanta, vai até a janela e diz: “Você viu que, olhando pra direita, dá pra ver o mar daqui? Está com uma cor linda!” (Estamos em Maceió, de férias, no 12º andar de um hotel na Av. Doutor Júlio Marques Luz. Daqui a pouco vamos para a praia do Patacho). Comecei a rir.
Eu já tinha ido à janela. E, sem intenção alguma de falar mal da cidade dos outros, vou relatar o que vi.
Vi o mar? Sim, mas antes vi que a avenida tem uma calçada que me pareceu até generosa (3 metros?) e que, em que pese cada lote fazer sua calçada, até que a maioria está nivelada, tendo apenas um prédio sem noção começado sua rampa de garagem no espaço público, os demais tendo usado a faixa de mobiliário (onde ficam os postes) para fazer ali suas rampas de acesso. Vi que as faixas de pedestre têm o fundo pintado de verde, o que ajuda a lhes dar destaque. Que na esquina com a Rua Lourenço Moreira e Silva pintaram um retângulo verde de cada lado na pista, como prolongamento das calçadas, provavelmente para dar maior visibilidade ao pedestre que vai atravessar (vendo agora no Google Street View, um carro está passando por cima da pintura. Talvez esteja na hora de “engordar” essas esquinas em definitivo). Gostei disso.
Mas… Vi coisas de que não gostei tanto. Vi que não há arborização urbana, salvo algumas palmeiras (que, sabemos, não fazem grande sombra) posicionadas de tal forma que reduziram bastante a faixa livre de passeio. Vi que alguns prédios puseram um piso cerâmico muito claro em sua calçada, que deve causar um pouco de ofuscamento.
Vi que os lotes do outro lado da rua têm recuos frontais de uns 5 metros, e que eles são usados para estacionamento a 90 graus entre a fachada térrea comercial e a calçada. Ou seja, como se não bastasse a vitrine estar recuada, longe de quem caminha ao longo da avenida, ainda fica obstruída pelos carros estacionados. Vi ainda que um hotel recuou bem mais, para dobrar o número de vagas, colocando uma na frente da outra, mas que isso não foi suficiente para evitar que o segundo carro invadisse metade da faixa de passeio, prejudicando os pedestres.
Vi que a avenida é cheia de paredes cegas, em trechos bastante desinteressantes e provavelmente inseguros à noite, e vi também os recuos laterais ínfimos – com certeza obrigatórios (por que, oh, Senhor?) – que os novos prédios apresentam, que já começam a criar vãos escuros e sem privacidade alguma, entre um lote e outro.
Ou seja, não vi nada que eu não veria em Brasília, ou em outras cidades do nosso país.
Então, pessoa querida que me lê, informo que minha crise passou, ante a constatação de uma remanescente utilidade desta coluna, e frente a esse mar lindo e morno do exuberante litoral alagoano.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.