Pequena reflexão de fim de ano
Sempre tive um ranço enorme da pessoa que cuidava da banca de jornais da minha quadra. Ela varria a sujeira e as folhas caídas na calçada e jogava tudo na pista, jamais as recolhia. Eu achava aquilo o fim, e torcia para dar um vento bem forte e levar tudo de volta pra frente do estabelecimento (o que nunca aconteceu). Meu protesto era não frequentar aquele lugar.
Eu fico indignada com o descaso pela coisa pública, pelo espaço público. Para a maioria das pessoas do nosso país, o espaço público é aquilo que está fora da nossa casa, que não nos diz respeito, que é o governo que tem que cuidar.
Eu sei que o cuidado que o governo tem com o espaço público no Brasil está a anos luz do ideal, e sei que ele é muito ineficiente para fazer com que as regras mínimas de civilidade sejam respeitadas (até porque ele não dá muito bom exemplo, em geral). Mas a gente não precisa piorar.
A gente pode varrer a calçada em frente à nossa casa ou à nossa loja e recolher o que varreu, ao invés de jogar na pista.
A gente pode lavar a janela – ou o piso da varanda, ou molhar as plantas das nossas jardineiras – sem derramar baldes de água na calçada.
A gente pode instalar aparelhos de ar-condicionado sem que nada fique pingando nas pessoas que passam lá embaixo.
A gente pode não estacionar nas vagas de idosos ou de pessoas com deficiência, se não nos encaixamos nessas situações.
A gente pode não estacionar na calçada nem na ciclovia nem em fila dupla.
A gente pode respeitar os semáforos e as leis de trânsito.
A gente pode guardar uma distância razoável do ciclista.
A gente pode não dirigir embriagado ou em altíssima velocidade.
A gente pode não jogar lixo no chão, no rio ou no mar.
A gente pode recolher as fezes dos nossos cachorros.
A gente pode não cortar árvores.
A gente pode não invadir áreas públicas.
A gente pode não apoiar as grades das nossas vitrines no poste.
A gente pode não colocar obstáculos nas calçadas.
A gente pode caminhar devagar na praia para não jogar areia em quem está deitado.
A gente pode ouvir nossa música num volume que não obrigue mais ninguém a ouvi-la.
A gente pode assistir a vídeos no celular com fones de ouvido.
A gente pode respeitar as filas.
A gente pode não assediar as mulheres.
…
Eu acho que a gente está melhorando. Bem devagar, é verdade, mas está. A banca de jornais da minha quadra agora é uma loja de plantas, e a pessoa hoje responsável por ela todos os dias coloca alguns vasos do lado de fora, adornando o espaço público sem bloquear a passagem das pessoas. Ficou bacana. Passei a frequentar aquele lugar.
Eu desejo que todos possamos fazer a nossa parte para que o Brasil seja um lugar que a gente queira frequentar. Um lugar de respeito, gentilezas e urbanidade.
A gente bem que podia começar em 2025.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.