A civilidade está ao nosso alcance

20 de dezembro de 2024

Pequena reflexão de fim de ano

Sempre tive um ranço enorme da pessoa que cuidava da banca de jornais da minha quadra. Ela varria a sujeira e as folhas caídas na calçada e jogava tudo na pista, jamais as recolhia. Eu achava aquilo o fim, e torcia para dar um vento bem forte e levar tudo de volta pra frente do estabelecimento (o que nunca aconteceu). Meu protesto era não frequentar aquele lugar.

Eu fico indignada com o descaso pela coisa pública, pelo espaço público. Para a maioria das pessoas do nosso país, o espaço público é aquilo que está fora da nossa casa, que não nos diz respeito, que é o governo que tem que cuidar. 

Eu sei que o cuidado que o governo tem com o espaço público no Brasil está a anos luz do ideal, e sei que ele é muito ineficiente para fazer com que as regras mínimas de civilidade sejam respeitadas (até porque ele não dá muito bom exemplo, em geral). Mas a gente não precisa piorar.

A gente pode varrer a calçada em frente à nossa casa ou à nossa loja e recolher o que varreu, ao invés de jogar na pista.

A gente pode lavar a janela – ou o piso da varanda, ou molhar as plantas das nossas jardineiras – sem derramar baldes de água na calçada.

A gente pode instalar aparelhos de ar-condicionado sem que nada fique pingando nas pessoas que passam lá embaixo.

A gente pode não estacionar nas vagas de idosos ou de pessoas com deficiência, se não nos encaixamos nessas situações.

A gente pode não estacionar na calçada nem na ciclovia nem em fila dupla.

A gente pode respeitar os semáforos e as leis de trânsito.

A gente pode guardar uma distância razoável do ciclista.

A gente pode não dirigir embriagado ou em altíssima velocidade.

A gente pode não jogar lixo no chão, no rio ou no mar.

A gente pode recolher as fezes dos nossos cachorros.

A gente pode não cortar árvores.

A gente pode não invadir áreas públicas.

A gente pode não apoiar as grades das nossas vitrines no poste.

A gente pode não colocar obstáculos nas calçadas.

A gente pode caminhar devagar na praia para não jogar areia em quem está deitado.

A gente pode ouvir nossa música num volume que não obrigue mais ninguém a ouvi-la.

A gente pode assistir a vídeos no celular com fones de ouvido.

A gente pode respeitar as filas.

A gente pode não assediar as mulheres.

Eu acho que a gente está melhorando. Bem devagar, é verdade, mas está. A banca de jornais da minha quadra agora é uma loja de plantas, e a pessoa hoje responsável por ela todos os dias coloca alguns vasos do lado de fora, adornando o espaço público sem bloquear a passagem das pessoas. Ficou bacana. Passei a frequentar aquele lugar.

Eu desejo que todos possamos fazer a nossa parte para que o Brasil seja um lugar que a gente queira frequentar. Um lugar de respeito, gentilezas e urbanidade.

A gente bem que podia começar em 2025.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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