Nas discussões sobre o urbano, vemos com frequência o embate “mercado imobiliário versus parte da sociedade civil e da academia”, que classificam aquele como agentes de exclusão social e “especuladores” que comprometem o futuro das cidades.
Os fossos das desigualdades se materializam, em certa medida, nos muros que cercam condomínios e shopping centers fechados. “Mas o que há de se fazer?”, seus ocupantes e frequentadores perguntam, com muita razão, se a segurança pública no Brasil ainda engatinha, e o seu amadurecimento cada vez mais se consolida como mera miragem? E por sua vez, aquela cidade jardim edílica totalmente aberta é uma ideação que, como tal, permanece abstrata.
Se a cidade é o espaço da diversidade, há de se equacionar os diferentes padrões e disponibilidades de morar e consumir com menos contrastes hostis. Há de se buscar um “meio termo” onde se reconheça os desejos de privacidade de parcelas da população e, ao mesmo tempo, haja o estímulo à criação da boa interface pública dos empreendimentos privados. Com seus ônus e bônus, a construção civil como um todo é um “motor do desenvolvimento” e, por essência, possui necessidade de rentabilidade, além de ser um dos maiores geradores de empregos e de moradias para todas as faixas de renda.
Em que se pese a precariedade da segurança pública, há muito o que pode ser feito, o mundo está recheado de bons exemplos. Em várias cidades, principalmente europeias, e provavelmente após muitos embates semelhantes, as suas sociedades alcançaram algum nível de equilíbrio. Por exemplo, o mercado já absorve naturalmente coexistência de moradias sociais com outras rendas, aspecto em que o Brasil tem muito a evoluir.
Lerner sempre colocava que as cidades precisam de um desenho, de uma estrutura de crescimento capaz de orientar o seu desenvolvimento e de orientar a força do setor imobiliário a favor desse desenho que se quer construir. Assim, os poderes públicos e seus planejadores urbanos têm que fazer a sua parte – inicialmente reconhecendo a importância estratégica de conduzir suas cidades para uma maior “compacidade” (que diminui todos os custos urbanos), promovendo a mistura de atividades, de idades e de rendas, e priorizando o transporte coletivo sobre o automóvel. A economia decorrente será destinada a criar cidades para as PESSOAS, investindo em boas calçadas, parques, cultura, sem falar das necessidades sociais.
O uso do solo deve estimular, em especial nas áreas centrais e em outros eixos estratégicos/centralidades que componham esse desenho, as “frentes ativas” – podemos dizer que Curitiba, no seu setor estrutural, oferece um bom exemplo, capitaneado pelo Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (DOT), onde a maior densidade e uso misto são estimulados ao longo do melhor transporte, com plena aceitação do mercado. A cidade de São Paulo tem aplicado o mesmo processo, com resultados concretos. Neste tópico em particular, Balneário Camboriú é uma referência positiva com seus contínuos térreos comerciais (grande maioria de pequeno comércio) que são acolhedores aos pedestres, aos idosos e, claro, aos consumidores.
Já a iniciativa privada pode e deve se adequar para a consciência coletiva de construir cidades melhores e diversificadas. Com certeza, megaempreendimentos têm sobra financeira para investir em frentes ativas e espaços de fruição pública. Os pequenos empreendimentos, por sua vez, frequentemente já contribuem com a diversidade, principalmente a de rendas. No conjunto, podemos conviver com condomínios fechados – menores, sem bloquear a conectividade da vizinhança, tendo como “muro” um perímetro de lotes abertos e com comércio e serviços junto às suas portarias. E se os muros forem “inevitáveis”, que sejam visualmente permeáveis ou verdes. Podemos conviver com shoppings fechados, no bom exemplo de alguns deles com interface urbana agradável, com lojas voltadas à calçada, sem o mar de estacionamento que desumaniza seu entorno.
Como dizia Jane Jacobs, janelas e portas junto às calçadas são os “olhos da rua”, que aumentam a segurança, possibilitam o passeio dos “sem-carro”, criam cenários de encontro e favorecem a coexistência.
São conhecidas mundo afora as imagens da idosa ou idoso no Japão varrendo sua própria calçada todas as manhãs. O senso da urbanidade e da “gentileza urbana” que tanta falta faz às nossas cidades… Aqui é muito comum vermos materializado o “porta adentro, tudo; porta afora, nada”. Há que se despertar aquela consciência cidadã do imensurável valor da integração pública X privada.
Paulo Kawahara, sócio-fundador do Instituto Jaime Lerner
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.