A cidade como projeto compartilhado: o papel da iniciativa privada na requalificação urbana

29 de abril de 2025

A criação de espaços públicos qualificados para a convivência urbana não precisa ser uma responsabilidade exclusiva do poder público. Em diversas cidades do mundo, a iniciativa privada tem assumido um papel cada vez mais relevante nesse processo, contribuindo para ampliar a oferta de áreas de encontro e bem-estar. Conhecidos internacionalmente como Privately Owned Public Spaces (POPS), esses espaços são concebidos, construídos e mantidos por agentes privados, mas permanecem legalmente acessíveis ao público. Em cidades como Nova York, Bangkok e Hong Kong, essa estratégia tem gerado resultados positivos, especialmente em contextos de alta densidade e escassez de solo.

Em Curitiba, esse debate já se reflete na legislação que incentiva a participação da iniciativa privada na criação e requalificação de espaços urbanos. A Lei nº 15.172, de 2018, permite que empresas adotem praças, parques e jardins públicos, contribuindo com urbanização, manutenção e atividades culturais. Já a Lei nº 16.448, de 2021, cria incentivos para empreendimentos que incorporam espaços de uso público em seus próprios terrenos. Entre as possibilidades estão as áreas de fruição pública, que devem ser adjacentes à rua, abertas, desobstruídas e equipadas com mobiliário urbano, concedendo, em troca, potencial construtivo adicional proporcional à área cedida. A lei também contempla a criação de passagens e praças internas em lotes com duas frentes, conectando diretamente vias públicas por meio de espaços de convivência com dimensões mínimas definidas. Além dessas possibilidades, o município também prevê a realização de intervenções urbanas como medidas compensatórias ou mitigadoras (as chamadas contrapartidas), exigidas em projetos que impactam significativamente o entorno. Quando conduzidas com visão estratégica, essas exigências deixam de ser um ônus e se tornam oportunidades de qualificação urbana.

Dois exemplos locais recentes demonstram esse potencial. O primeiro é o projeto do Largo Erasmo de Rotterdam, resultado do Programa Regenera da Agência de Sustentabilidade Mãozinha Verde. Implementado com base na Lei nº 15.172, o projeto revitalizou completamente o espaço, transformando-o de um simples local de passagem em uma área convidativa para permanência, descanso e convivência. Financiada e mantida temporariamente por um escritório de advocacia local, a iniciativa demonstrou sucesso ao atrair mais frequentadores e estimular uma nova dinâmica urbana e social na região. 

O segundo é o trecho inicial do Parque Linear Viva Barigui, projeto do escritório curitibano Oficina Urbana de Arquitetura, viabilizado como parte das compensações ambientais decorrentes da obra de expansão do Park Shopping Barigui. Mais do que uma medida de mitigação de impactos, o parque representa um investimento urbano estratégico ao estabelecer uma conexão entre o shopping e o Parque Barigui e integrar diferentes pontos da cidade com foco na experiência das pessoas, na mobilidade ativa e no bem-estar. Resgatando a paisagem desse trecho do Rio Barigui, o projeto torna visível a malha de recursos hídricos que estrutura uma parte significativa do território curitibano. Esse rio conecta importantes parques urbanos que, em conjunto, compõem um sistema de drenagem inovador, baseado na preservação dos cursos d’água e na retenção das águas pluviais em parques inundáveis — uma estratégia reconhecida internacionalmente por articular soluções técnicas e ecológicas com qualidade paisagística e usos públicos. A implantação do parque transformou uma área antes negligenciada em uma frente urbana vibrante, incorporando espaços recreativos diversos, capazes de ampliar os usos e configurar um novo marco urbano, o que contribui para a valorização simultânea da paisagem, da região e do próprio empreendimento.

Esses exemplos demonstram com clareza que investimentos privados podem ser protagonistas na criação de espaços urbanos que promovem sociabilidade, sustentabilidade e qualidade ambiental, alinhando desenvolvimento econômico com a valorização da cidade. Ainda assim, é essencial manter o olhar crítico. Quando fortemente orientados por interesses comerciais, esses espaços correm o risco de restringir o uso democrático, tornando-se exclusivos, seletivos ou pouco acolhedores. Equilibrar interesses privados e valores coletivos é um exercício contínuo. O sucesso dessas iniciativas depende da capacidade de aliar boa gestão e atratividade à preservação de seu caráter verdadeiramente público.

Isabela Fiori, arquiteta e urbanista.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Com base na experiência de Jaime Lerner e das equipes que com ele trabalharam, o Instituto Jaime Lerner almeja despertar uma consciência positiva sobre o potencial transformador das cidades e seu desenvolvimento sustentável, inclusivo e criativo. ([email protected])
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