A cidade como laboratório vivo de ensino e prática

29 de julho de 2025

A cidade contemporânea não é um território estático ou previsível, sabemos. Ela se estrutura por múltiplas camadas — redes de infraestrutura, fluxos econômicos, dinâmicas sociais e dados “invisíveis” que moldam desde a mobilidade até o uso dos espaços públicos. Nesse cenário emerge o urbanismo responsivo: uma prática que escuta, se adapta e reage em tempo real às transformações urbanas. Tal lógica precisa estar também no centro da formação dos futuros urbanistas. 

O que é urbanismo responsivo?

Mais do que reagir rapidamente, responsividade é uma postura ativa de escuta, aprendizado e adaptação. Diante de um mundo urbano instável e interconectado, o urbanismo responsivo propõe um novo modelo de atuação com três pilares principais:

  • Flexibilidade sistêmica: planos e projetos como plataformas abertas, capazes de incorporar imprevistos e transformações em tempo real.
  • Inteligência coletiva: articulação entre saber técnico e conhecimento local, valorizando a participação cidadã.
  • Dados como insumo de projeto: uso de tecnologias, sensores e padrões comportamentais como base para decisões.

Essa lógica desloca o foco do urbanismo da “cidade ideal” para o presente real. O urbanista se torna mediador de forças dinâmicas, formulando respostas evolutivas a partir de leituras contextuais.

Ensino baseado em atitudes, além de conteúdos

A principal mudança no ensino proposto por essa abordagem é metodológica. Em vez de segmentar por escalas ou temas, os projetos se estruturam por atitudes frente ao urbano, como:

  • • Criar visões estratégicas para territórios em transformação.
  • • Projetar centralidades contemporâneas com múltiplas funções.
  • • Reabilitar áreas consolidadas com foco em memória.
  • • Imaginar novos modos de habitar em territórios híbridos.

Essas atitudes são formas de ver, pensar e agir sobre a cidade com sensibilidade e abertura para o inesperado.

A cidade como sala de aula

Quando a cidade vira plataforma de aprendizagem, o ensino se torna mais potente. Em vez de simulações, os estudantes enfrentam problemas reais, escutam vozes locais e reconhecem dinâmicas invisíveis. Essa pedagogia ativa estimula:

  • • Interdisciplinaridade entre saberes técnicos, sociais e tecnológicos.
  • • Escuta ativa para compreender os territórios antes de transformá-los.
  • • Formação política e ética, onde o urbanista é articulador de interesses diversos.

Tecnologia: a infraestrutura “invisível” da responsividade

Hoje, o projeto urbano é alimentado por infraestruturas digitais. Tecnologias como GIS, sensores, plataformas participativas e painéis em tempo real tornam-se essenciais. A tecnologia não é um acessório — ela estrutura o olhar. Permite reconhecer padrões emergentes, testar hipóteses e adaptar caminhos. Ensinar urbanismo responsivo é ensinar a ler a cidade com múltiplas lentes: a espacial, a social e a digital.

Responsividade como ética profissional

O urbanismo responsivo é, acima de tudo, uma postura ética. Convida à escuta sensível, à aceitação de incertezas e à construção de soluções adaptativas. Em um mundo marcado por crise climática, desigualdade e transformação tecnológica, essa abordagem é urgente. Ensinar urbanismo hoje é formar profissionais capazes de lidar com a complexidade — com coragem de errar, disposição para escutar e abertura para improvisar.

Leonardo Hortencio é Arquiteto e Urbanista (2000), Mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo PROPUR/UFRGS (2003), ex-professor das Faculdades de Arquitetura e Urbanismo do UniRitter (2002-2013), IPA (2014), UNESA (2015-2023) e UFRJ (2016-2018). Professor visitante da École Nationale Supérieure d’Architecture Paris La Villette (2012) –  Coopération France & Mercosur. Atualmente é professor do MBA Cidades Responsivas e Coordenador Geral do Instituto Cidades Responsivas.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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