Somos os olhos das nossas cidades? Por um urbanismo mais sensível

9 de julho de 2023

Ao caminhar pelas ruas da cidade de São Paulo, percebo com frequência a grande desigualdade territorial, presente principalmente ao lado de territórios periféricos com uma forte expansão imobiliária e vizinhança consolidada de renda média a alta.

Parte dessas edificações é bastante verticalizada e parte são edificações unifamiliares, em um e outro caso implantados em grandes lotes arborizados, com infraestrutura adequada. Alguns de seus prédios e casarões estão separados de favelas apenas por uma calçada e, naturalmente, por altos muros e segurança particular.

Às vezes inclusive, rapidamente consigo tirar fotos de áreas que eram predominantemente verdes, e se tornaram espaços com grandes condomínios, alguns deles construídos sem garagem, criando dificuldades de acesso do transporte público nas ruas de pouco tráfego, pois estão ocupados com carros.

Há um deficit de moradias, de equipamentos públicos, institucionais e áreas de lazer nas favelas, entretanto as construções do mercado imobiliário seguem crescendo a todo vapor. O interesse sempre está em jogo, assim vamos criando uma sociedade com diferenças sociais, em lugares que mal existem escolas, áreas verdes, há tão perto imensas torres, que amedrontam.

Por parte dos órgãos públicos ainda falta uma fiscalização e zeladoria maior das nossas terras, da garantia do acesso a direitos básicos, mas quanto sociedade precisamos ser menos individualistas, há vizinhos ao lado dos lotes vazios a serem construídos, um bairro em sua maioria já consolidado, escadarias e/ou vielas que facilitam o percurso.

Recentemente escrevi em minhas redes sociais um caso, que me deixou indignada: Ao lado da favela do Jardim Colombo, lugar em que nasci e cresci, implantaram o condomínio Paulistano, que sem realizar uma análise urbana da área, bloqueou o acesso que diminuía o trajeto de adolescentes para chegarem à escola da região.

Pensando na construção de um urbanismo mais sensível e inclusivo, listo abaixo alguns parâmetros que podem nortear futuros projetos.

• Conectividade e relação com o entorno (circulação, meio biótico, funções, dinâmicas preexistentes, priorização principalmente do pedestre, propiciando novas aberturas, áreas verdes e acessibilidade);

• Desenvolvimento do meio urbano (conserva os aspectos naturais e desenvolve os aspectos antrópicos);

• Participação popular (diminui o risco de bons projetos públicos e privados serem destruídos ao longo dos anos e serem objeto de reprovação por parte dos moradores pela falta de pertencimento);

• Barreiras visuais (a construção de muros, só propicia a vivência dentro das paredes e grades, restringindo-se à própria residência em seus momentos livres e diminuindo as possibilidades de encontro e experiências culturais).

O setor da construção civil, em alguns meses, gerou mais de meio milhão de empregos com carteira assinada, o que impulsiona a economia nacional com novas oportunidades, mas não adianta grandes empresários do ramo fixarem suas apresentações nesses números, se suas construções promovem maiores desigualdades sociais.

As favelas são cada vez mais objeto de programas, planos e projetos de reurbanização e requalificação, em especial nas últimas décadas com o avanço da premissa do direito à cidade a todos e a crítica aos procedimentos de remoção e realocação em periferias distantes, mas afinal quem desenha nossas cidades?

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Compartilhar:

Arquiteta e ativista urbana, pós graduada em urbanismo social e habitação e cidade, mestre em Projeto, Produção e Gestão do Espaço Urbano, Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo, atua com a gestão de projetos e ações sociais em territórios periféricos no Instituto Fazendinhando.
VER MAIS COLUNAS