Reforma Tributária e Desenvolvimento Urbano

16 de janeiro de 2024

A reforma tributária, aprovada pela Emenda Constitucional 132/2023 em dezembro de 2023, estabeleceu alterações profundas, que impactarão diretamente todos os segmentos da economia e as finanças públicas dos entes da Federação. Neste artigo, apontaremos as principais mudanças no que diz respeito aos temas diretamente relacionados ao desenvolvimento urbano.

A principal inovação da reforma foi a simplificação do sistema tributário, mediante a substituição de cinco por dois tributos de modelo IVA (imposto sobre valor agregado), cobrados no destino. Na esfera federal, o imposto sobre bens industrializados (IPI), o programa de integração social (PIS) e a (COFINS), serão substituídos pela contribuição sobre bens e serviços (CBS). Nas esferas estadual e municipal, o imposto sobre a circulação de mercadorias (ICMS) e o imposto sobre serviços (ISS) serão substituídos pelo imposto sobre bens e serviços (IBS).

Essa substituição será gradual, com uma transição que ocorrerá entre os anos de 2026 e 2032, durante os quais os dois sistemas estarão em vigor. 

A cobrança da CBS e do IBS dependem da aprovação de uma lei complementar, que deverá ser elaborada em 2024. 

Enquanto o ICMS e o ISS são de competência estadual e municipal, o IBS será de competência compartilhada entre estados, municípios e o Distrito Federal, com cobrança no destino. Essa nova configuração poderá impactar a rede urbana brasileira, pois reduzirá a chamada “guerra fiscal”, entre estados e municípios.

Atualmente, os municípios cobram diretamente ISS e recebem um repasse de 25% do ICMS arrecadado pelo estado, com base nas operações realizadas pelas empresas sediadas em seu território. Como a cobrança do IBS será no destino (ou seja, no local em que o bem ou serviço é consumido), não haverá mais vantagem na redução de alíquotas para atração de empresas. 

O IBS será administrado por um Comitê Gestor composto por representantes de estados e municípios, que arrecadará e distribuirá os recursos para cada ente da Federação. Estados e municípios poderão fixar suas alíquotas, mas estas terão que ser únicas para todos os bens e serviços, somente sendo admitidos os incentivos fiscais previstos na Constituição.

A lei complementar que instituir o IBS e a CBS poderá prever regimes diferenciados de tributação, com benefícios para algumas operações específicas. Esses benefícios deverão ser objeto de avaliação quinquenal de custo-benefício, que poderá concluir pela sua revogação. No que diz respeito ao desenvolvimento urbano, poderão ter redução de alíquotas ou isenção o transporte coletivo de passageiros, os táxis e as “atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística”. Além disso, poderá ser concedido crédito ao adquirente de resíduos destinados à reciclagem, reutilização ou logística reversa.

Os biocombustíveis e o hidrogênio de baixa emissão de carbono deverão receber tratamento favorecido com relação aos combustíveis fósseis, de modo a garantir um diferencial competitivo. Na mesma linha, o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) poderá ter alíquotas em função do impacto ambiental gerado pelo veículo. 

Operações com bens imóveis, abrangendo as atividades de construção, incorporação, parcelamento do solo, alienação, locação, administração e intermediação, poderão ser objeto de regime específico de tributação, com regras distintas de cobrança. 

Um setor que não foi contemplado com regime diferenciado, específico ou favorecido é o do saneamento básico. Isso deverá resultar em aumento da carga tributária, que terá que ser compensada com aumento de tarifas.

O IPTU sofreu uma alteração importante: sua base de cálculo passará a ser atualizada pelo Poder Executivo. Caberá à câmara municipal estabelecer critérios abstratos sobre essa atividade, mas não aprovar a planta genérica de valores, como determinava a jurisprudência

Outro tributo municipal que foi alterado é a contribuição de iluminação pública (COSIP). Ela foi instituída em 2002, para financiar apenas o custeio do serviço. Agora, poderá financiar o custeio, a expansão e a melhoria, não apenas dos serviços de iluminação pública, mas também de “sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos”. 

A reforma tributária é um processo complexo, que apenas se iniciou com a aprovação da Emenda Constitucional 132/2023. Na esfera federal, o próximo passo é a aprovação da lei complementar que instituirá a CBS e o IBS, que definirá os regimes específicos para mobilidade, reabilitação urbana e manejo de resíduos sólidos. 

Na esfera local, cabe aos municípios editar leis sobre a metodologia de cálculo do valor venal dos imóveis pelo Poder Executivo e sobre o emprego da COSIP para segurança pública e preservação de logradouros.  

A Emenda Constitucional 132/2023 representa um marco significativo na história fiscal do Brasil, com potencial para remodelar não apenas a estrutura tributária, mas também o panorama do desenvolvimento urbano. Ao simplificar o sistema de impostos e redistribuir competências fiscais entre os entes federativos, esta reforma promete atenuar a “guerra fiscal” e equilibrar as disparidades econômicas entre municípios. 

No que diz respeito à política urbana, o incentivo à reabilitação urbana é o grande destaque. Uma vez instituídos o IBS e a CBS, caberá aos planos diretores dispor sobre as “zonas históricas” e as “áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística”, nas quais as atividades de reabilitação estarão isentas. 

Do ponto de vista ambiental, o incentivo à reciclagem de resíduos sólidos, aos combustíveis verdes, ao transporte coletivo e aos veículos menos poluentes, é positivo, mas a oneração do saneamento básico preocupa. 

Independentemente dos impactos mais amplos, é importante que os municípios estejam atentos para as oportunidades de atuação criadas pela reforma: o valor venal dos imóveis poderá ser determinado por sistemas automatizados de precificação ou por autodeclaração dos proprietários, em lugar de polêmicas votações nas câmaras municipais, e os espaços públicos poderão ser tornados mais seguros pela implantação de sistemas de monitoramento das ruas e melhorias na iluminação pública. 

Texto de autoria de Victor Carvalho Pinto – Coordenador do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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