Por que o conhecimento técnico é tão distante daqueles que constroem nossas cidades?

4 de agosto de 2023

Pedreiro é uma profissão passada de geração a geração, concebida pela necessidade de morar e da oferta de trabalho rápido, em sua maioria na década de 1950. Migrantes nordestinos em direção ao Centro-Sul do país, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro, cujas mãos calejadas retratam histórias de um território, de uma cidade, de um país.

Há mais de seis anos, atuo com reformas em moradias precárias em favelas, nos mais diversos formatos. Há casas que mal dispõem de dois quartos, os banheiros são precários, não há ventilação, as paredes apresentam muita umidade e mofo, um número grande de pessoas vivendo no mesmo espaço, mobiliários mal planejados, ausência de revestimento, aberturas na cobertura e/ou paredes facilitando a entrada de ratos, entre tantos outros problemas. 

Nessa caminhada encontrei um desafio, um eco muito grande que vai além da obtenção de mão de obra especializada, mas que se desdobra para a falta de conhecimento técnico daqueles que constroem nossas cidades. Ao utilizar termos recorrentes que aprendi ao longo de um processo universitário, percebi que para o meu dia-a-dia em favelas, seria necessário dar um passo atrás e passar a ensinar desde a leitura de uma planta baixa, a paginação, unidade de medida, nomenclaturas técnicas como também o melhor posicionamento de uma esquadria, a importância do esquadro, o manuseio com revestimentos e soluções para o aproveitamento de espaços.

É claro que muitas vezes sou surpreendida com a experiência de diferentes profissionais, entretanto é necessário que a capacitação na base seja cada vez mais fortalecida e expandida, isto é, que setores no ramo da construção civil, universidades, órgãos públicos, escolas técnicas com o apoio de lideranças comunitárias se unam para facilitar o ensino técnico na prática, promover melhorias habitacionais e ampliar o número de contratação, inclusive de mão de obra feminina.

Neste sentido, uma pesquisa da Câmara Brasileira da Construção Civil revelou que 9 em cada 10 construtoras afirmam ter dificuldade para contratar mão de obra — pelo menos 89% das empresas consultadas em todo o país. O estudo alerta para uma redução gradativa no número de trabalhadores nesse setor: em 2021, o percentual era de 77%.

Ainda de acordo com o levantamento, os pedreiros (82%) são os profissionais mais escassos do mercado; seguido pelos carpinteiros (79%), mestre de obras (75%) e encarregados de obra (70%).

Existem exemplos claros de transformações que acontecem em diferentes territórios do Brasil, com o intuito de aprofundar a capacitação de pedreiros, e a participação feminina em obras, como se verá a seguir.

A Mulher em Construção é uma organização social que, desde 2006, visa a inclusão da mulher periférica no mercado de trabalho da construção civil por meio da promoção da autonomia, da cidadania e do empoderamento daquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade e violência doméstica. Em um mercado predominantemente masculino, a organização capacita essas mulheres, lutando pela redução da desigualdade e incentivando a diversidade de gênero.

As “Fazendeiras” um dos braços do Instituto Fazendinhando, capacita mulheres no setor da construção civil, a fim de diminuir as mazelas sociais existentes e ofertar oportunidades com perspectiva de uma nova recolocação no mercado de trabalho e empoderamento das mesmas nas ações internas da comunidade. As aulas práticas são desenvolvidas em ambientes reais da comunidade, ou seja, reformando-se e recuperando-se cômodos e áreas precárias com as competências profissionais que foram trabalhadas com as alunas no curso.

O pensamento educacional de Paulo Freire explicita a importância dos territórios educativos além dos muros, e seguindo essa linha de pensamento seria possível um dia encontrarmos nas universidades brasileiras pedreiros em sala de aula, tanto para partilha de suas experiências e conhecimento, como para a obtenção de novas técnicas?

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta e ativista urbana, pós graduada em urbanismo social e habitação e cidade, mestre em Projeto, Produção e Gestão do Espaço Urbano, Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo, atua com a gestão de projetos e ações sociais em territórios periféricos no Instituto Fazendinhando.
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