Paisagens internas: interior landscape architecture, ou o futuro do prédio de escritórios

6 de março de 2023

Foi a partir da disseminação do vírus do influenza pelo mundo, que se propagaram novos princípios para a organização dos usos dos solos urbanos. O zoneamento funcional predizia que deveria haver setores de trabalho e de habitação distintos. Além das áreas recreativas, e da função primordial de ligação entre elas, a circulação viária, viabilizada pela nova tecnologia do automóvel individual.

Rapidamente a estética da velocidade prevalece sobre conceitos que pareciam pertencer ao Velho Mundo e ao passado como historicidade, culturalismo, artesania e impressionismo.

Os edifícios passam a ganhar feições industriais, ou de “máquina”, e assim deveriam ser também as cidades, não mais organizações análogas à biologia, mas agora sistemas fabris, onde a amplitude viria a ser o ethos do design.

As plantas livres na arquitetura iriam definir o espaço residencial, como queria Le Corbusier com a Ville Savoy (1928 – 1931) ou no arquétipo Dom-ino (1914).

Mas seria a partir da inovação do chamado “open-plan office”, projetada por Frank Lloyd Wright na sede da química Johnson Wax, em Racine, Wiscosin, em 1939, com um grande salão comum para trabalho coletivo, com monumentais colunas estruturais, que ficaria consolidada de maneira indelével a espacialidade livre ao trabalho corporativo.

Entretanto, o escritório aberto não resistiria ao teste da biologia.

O COVID-19 desarticulou essa estética. O risco de contaminação em ambientes compartilhados sem barreiras físicas de separação é altamente elevado.

Haveria uma possibilidade de enxergar o futuro dos escritórios através de prédios como o SESC 24 de Maio, dos arquitetos MMBB e Paulo Mendes da Rocha, ou do SESC Avenida Paulista, de Königsberger Vannucchi? Ou mesmo do retrofit que gerou o Farol Santander na antiga sede do Banespa, com sua pista de skate no 21.º andar?

O site Bloomberg anunciou que é a primeira vez que o volume contratado de projetos de arquitetura nos EUA é maior para renovações do que para prédios novos.

Considerando-se o retrofit como campo de design amplificado e dominante, poderiam os prédios existentes passarem a ser lotes virtuais para a construção de paisagens de interiores edificados? Promovendo a união de duas disciplinas tão aparente distantes, o projeto da paisagem e o projeto de interiores.

Após a liberação do objeto arquitetônico para com a rua, pelo urbanismo modernista, aparentemente estamos avançando para o consagração de um anti-edifício, um itinerário paisagístico dentro do envelope das construções existentes, uma neo-paisagem de dobra, levando ao desenvolvimento de imagens de interações ecológicas, não como fruto da relação prédio-ambiente, mas sim da relação prédio-interior-paisagem.

Se a massa construída das cidades é uma visão de impasses e de ignorâncias sobre o que ocorre pro detrás das paredes e a quantidade real de vida nos prédios, por outro lado, há uma gigantesca cubagem disponível para novas atmosferas. Estas paisagens oníricas já surgem, por exemplo, em grandes aeroportos, como o de Singapura, projetado pelo escritório Safdie Architects.

O futuro dos prédios de escritório traz, portanto, alegrias novas a serem despertadas pelos arquitetos, misturando usos, e especialmente empurrando os limites projetuais, criando naturezas mais humanas para o trabalho, assim como Wright mostrava ser viável trabalhar dentro de uma floresta de concreto, com a colunata do edifício Johnson Wax.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto e urbanista dedicado à reciclagem das cidades brasileiras. Atuou como Secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro e presidente do Instituto Pereira Passos e do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. É um Harvard GSD Loeb Fellow. ([email protected])
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