Governança e tecnologia: os impulsionadores das novas cidades

27 de fevereiro de 2023

O movimento das cidades planejadas não se preocupa mais com a criação de novas capitais, como no século passado. No século XXI, a criação de novas cidades é impulsionada principalmente por duas escolas de pensamento que buscam eliminar as imperfeições das cidades existentes: a cidade com melhor governança e a cidade com tecnologia avançada.

Novas cidades impulsionadas por um novo tipo de governança

As Charter Cities, típicas do movimento de melhor governança, promovem a criação de novas cidades com instituições independentes do país anfitrião. A incapacidade de se livrar de regulamentos ou práticas ultrapassadas impede a evolução eficiente de muitas cidades.

A resposta do movimento Charter Cities a essa questão tão real é criar uma cidade-estado independente dentro de um estado-nação, ao mesmo tempo em que importa instituições escolhidas a dedo de cidades já bem administradas.

Uma empresa privada ou um condomínio democrático poderia administrar o governo da cidade. Como a má governança é a principal razão para o mau desempenho de muitas cidades, particularmente na provisão de habitação e transporte urbano, a ideia das Charter Cities faz muito sentido.

No entanto, não escapa à questão da localização e, para cidades com financiamento privado, há a questão dos fluxos de caixa negativos por longos períodos. Uma cidade bem administrada em um local isolado tem poucas chances de sucesso. Uma nova cidade que não gera receitas preocupa os investidores.

Shenzhen, a nova cidade criada na China nos anos 80, é o único exemplo que conheço de um tipo próspero de Charter City. O governo da China forneceu o investimento para a infraestrutura inicial. Ainda assim, o livre mercado de trabalho, desconhecido no restante da China na época, era o principal atrativo da cidade para novos empreendimentos e trabalhadores.

Essa experiência com mercados livres para trabalho e imóveis foi inicialmente restrita a um perímetro em torno de Shenzhen. Como o sucesso de Shenzhen foi causado por uma mudança drástica de uma economia planificada para uma de livre mercado, devemos considerar Shenzhen uma Charter City. Quando testados com sucesso, o governo chinês expandiu os mercados de trabalho e imobiliário para o resto da China.

Novas cidades impulsionadas por tecnologia inovadora

Ao contrário dos defensores das Charter Cities, poucas pessoas percebem que instituições e regulamentos deficientes são os principais responsáveis pelo mau desempenho das cidades em qualidade ambiental, habitação e transporte urbano.

Muitas pessoas acreditam que, se designers e engenheiros competentes pudessem criar novas cidades da mesma forma que produzem smartphones, a tecnologia resolveria a maioria das deficiências urbanas.

O principal atrativo de Neom, a nova cidade no deserto promovida pela Arábia Saudita, é a tecnologia totalmente nova. Os promotores de Neom estão convencidos de que as famílias migrarão para Neom porque o sistema de climatização, esgoto, água e transporte será altamente eficiente.

As pessoas se mudam para as cidades por causa das pessoas e dos empregos que já existem. Não porque o sistema de esgoto é altamente eficiente. A eficiência energética da cidade é apenas uma promessa.

A infraestrutura de transporte para uma população distribuída ao longo de uma cidade linear como Neom é, por definição, altamente ineficiente, pois a distância entre os pontos da cidade é maximizada em relação a uma forma como um círculo ou um quadrado.

Os projetistas de Neom afirmam que os passageiros poderiam viajar a uma velocidade média de 510 quilômetros por hora (percorrendo 170 km em 20 minutos). Essa fantástica velocidade de transporte, que envolveria paradas em muitas estações intermediárias, deve nos fazer desconfiar dessa tecnologia.

De que novas cidades precisamos?

A maior parte da população mundial, daqui a 50 anos, provavelmente viverá em aglomerados em expansão ao redor das cidades que já conhecemos. Mesmo novas cidades excepcionalmente bem-sucedidas, como Shenzhen, absorvem apenas uma pequena parte da nova população urbana. Melhorar a gestão e a tecnologia das cidades onde a maior parte da população já vive e provavelmente viverá no futuro deve, portanto, ser nossa prioridade.

Devemos experimentar uma nova gestão urbana e infraestrutura para expandir as cidades existentes. A criação de cidades-satélites bem conectadas ao restante da área metropolitana é uma valiosa contribuição para o bem-estar da população urbana.

Mesmo na época do trabalho remoto, dados empíricos demonstram que trabalhadores em grandes mercados de trabalho que existem em uma metrópole como São Paulo ou Xangai são mais inovadores e produtivos do que quando localizados em mercados de trabalho menores.

Nossa energia, inventividade e finanças devem se concentrar em melhorar o bem-estar dos lares dessas cidades, em vez de brincar de criar novas cidades no deserto. E, de fato, as cidades existentes devem buscar uma melhor governança e novas tecnologias! Mas não é preciso construir novas cidades no meio do nada para ser inovador.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Urbanista, pesquisador do NYU Marron Institute e autor do livro Ordem sem Design.
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