O papel do novo perfil profissional na democratização da arquitetura e urbanismo

2 de abril de 2023

Quem é morador de periferia sabe, o arquiteto urbanista nunca esteve presente na comunidade. Não é como ter na memória a figura do dentista, ou do médico de família do bairro. A ausência histórica destes profissionais é facilmente explicada pela sua trajetória acadêmica.

Tanto o curso, quanto os serviços de arquitetura sempre foram elitizados, isto é fato. E mesmo que hoje o cenário acadêmico esteja mudando, ainda que a passos lentos, é difícil vermos disciplinas que abordam assuntos como habitação social, déficit habitacional e periferias, mesmo a média salarial do país sendo pouco mais de dois mil e setecentos reais, e que existam mais de onze mil favelas no Brasil, segundo a PNAD Contínua de 2023 do IBGE.

A consequência desta ausência fez com que o pedreiro tomasse para si diversas responsabilidades, como planejador, orçamentista, gestor e executor. A figura do pedreiro sempre esteve presente nas comunidades.

O construtor de sonhos, o cara de confiança da família. E mesmo que, muitas vezes, haja expectativas frustradas em relação aos seus serviços, ainda são eles que estão lá. O resultado disso é que mais de 85% da população que diz já ter construído ou reformado no Brasil afirma ter feito isso sem acompanhamento técnico, segundo pesquisa do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).

Através das políticas públicas como o PROUNI e o FIES, jovens periféricos e de baixa renda, tiveram a oportunidade de acessar a universidade, levando na bagagem suas vivências, experiências, problemas e visões.

A partir disso, uma movimentação muito interessante começou a acontecer: o surgimento de negócios de impacto social na área da habitação, ou seja, escritórios populares e/ou empreendedores sociais que viram a oportunidade ou a necessidade de promover o acesso à população de baixa e média renda, moradora de periferia, aos serviços de arquitetura, aliando ao seu desenvolvimento profissional.

Segundo o SEBRAE, negócios de impacto social buscam impacto socioambiental positivo, onde a atividade principal deve beneficiar diretamente pessoas com faixa de renda mais baixas, como as classes C, D e E.

Portanto, são serviços remunerados, porém voltados para esse público. Muitos negócios de impacto são criados por moradores de periferia, por isso, muitas vezes, o público alvo é praticamente eles mesmos ou sua família, amigos e vizinhos.

Precisamos entender que a periferia é diversa e muitas pessoas que moram nesses territórios já reformam, constroem, compram material, contratam o pedreiro, ou seja, fazem uso destes serviços. A diferença é que, a partir dos negócios sociais, elas fazem isso com assistência técnica e acompanhamento profissional, diminuindo o desperdício de material e dinheiro, o risco de insegurança estrutural e de ter a casa adoecida com falta de ventilação, iluminação e patologias como mofo e infiltração, que impactam negativamente a saúde das famílias.

Já o público em vulnerabilidade, que não é (mas deveria ser) atendido pela Lei 11.888/08, Lei da Assistência Técnica que assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para projeto e construção, os negócios de impacto conseguem atendê-los através de parcerias multidisciplinares.

Segundo dados da ONG Habitat para a Humanidade, ainda são menos de cem negócios sociais, OSCs e iniciativas mapeadas no Brasil e pensando no déficit quantitativo de 6 milhões de moradias e qualitativo de mais de 24 milhões. Ainda são poucos, mas o que não dá é para esperar sentado.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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