O apocalipse do prédio de escritórios

14 de fevereiro de 2023

Acabou. Os centros urbanos mudaram para sempre e não voltarão a ser como eram antes.

Os chamados Centros de Negócios, ou na definição em inglês, Central Business District (CBD), foram planejados como territórios altamente especializados, com o objetivo de adensar a atividade econômica de formação de negócios e de tomada de decisão representadas na tipologia dos prédios de escritórios. Deveriam ser núcleos de trabalho intelectual, abstrato, gerencial e administrativo, também chamados de centro financeiro, e que trariam a reboque uma rede de serviços: restaurantes, bares (para aliviar a tensão de lugares predominantemente masculinos, e misóginos), e comércios para fazer funcionar tal concentração.

Se a eletricidade e o elevador permitiram as edificações em grande altura, os arranha-céus, a telemática, o rádio, a telefonia, e décadas depois, a internet, iriam tanto acelerar a evolução do design dos espaços de trabalho como conter a partícula da sua derrocada.

Ao reunir todos os escritórios no mesmo espaço urbano, respondeu-se ao temor da densidade como fragilidade em termos militares, uma consequência das Grandes Guerras, assim como atacava-se a preocupação com a saúde pública trazida febre espanhola. E ainda dava lucro!

Se os subúrbios passariam a abrigar os trabalhadores, permitindo-lhes mais contato com a natureza e melhor vida social, os centros de negócios devotariam-se exclusivamente ao trabalho criado pelo capitalismo industrial do pós-guerra. Para tanto, precisavam ser muito bem servidos em transporte. E gerar esta infraestrutura também era bom para a economia!

A ociosidade das antigas fábricas em área centrais permitiu acomodar a grande massa construída de edifícios de escritório, fazendo com que centros históricos e de negócios se confundissem.

De salas fechadas para layouts abertos, o design do lugar de trabalho mudava conforme mudavam as teorias e as tendências gerenciais. A economia digital inventou interiores mais lúdicos, para jovens que trabalhavam muito. O co-working trouxe o conceito de comunidade e a festa ficou próxima das mesas. A pandemia ensinou, entretanto, que o conceito de planta aberta pode ser fatal do ponto de vista biológico. O retorno às salas fechadas ou menores é irreversível.

Na mesma velocidade que as reuniões virtuais se disseminaram no mundo graças aos lockdowns, hoje já se fala em “office apocalypse”.

A vacância dos escritórios continua enorme e a adoção do trabalho online é geral. Se aparenta ser uma crise apenas dos ricos, está é, na verdade, uma seríssima crise sócio-econômica, pois está em desmonte um ecossistema de usos interligados. Escritórios vazios significam restaurantes e lojas vazias que significam desemprego. Trabalhar de casa significa valer-se mais do delivery que implica em aumento de bicos digitais, com grande risco de precarização do trabalho.

No Brasil, devido ao histórico de baixíssima densidade habitacional dos centros a dor da reinvenção será mais intensa, por outro lado, somos culturalmente mais afeitos a mudar e com a premissa constitucional de rever Planos Diretores a cada dez anos, podemos atenuar esse impacto se, e somente se, atrairmos mais famílias para morar nos centros.

A cidade do Rio de Janeiro saiu na frente com uma proposta de solução que eu liderei enquanto secretário de Planejamento Urbano, o Reviver Centro, cujo objetivo é criar estímulos para retrofitar escritórios e espaços ociosos em nova oferta de moradia, buscando atrair incorporadores para esta oportunidade criada pela desfuncionalidade dos centros de negócios e ampliar um nicho de atividade — a renovação e reabilitação de prédios — que será crucial para os Centros e inclusive para a preservação de valor dos escritórios ainda ativos.

Outras cidades do Brasil já seguem no mesmo rumo, como Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo.

Tradicionalmente lento e conservador pela sua intrínseca natureza de alto custo de capital, limite de velocidade da construção civil e exposição à burocracia, o mercado imobiliário necessita rapidamente rever seu modelo de negócios, com risco de ativos serem convertidos em ruína. Alguns estudos falam de hibridismo com hotelaria ou de abertura para novas possibilidades como entretenimento, mas não há dúvida que a transformação é necessária.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Compartilhar:

Arquiteto e urbanista dedicado à reciclagem das cidades brasileiras. Atuou como Secretário de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro e presidente do Instituto Pereira Passos e do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. É um Harvard GSD Loeb Fellow. ([email protected])
VER MAIS COLUNAS