Melhoria habitacional é sobre dignidade, direito humano e deve ser tratada como tal

25 de junho de 2023

Eu sei que é difícil desassociar serviços de reforma à estética, assim como é difícil desassociar do senso comum, serviços de arquitetura à elite. Por esse motivo, a melhoria habitacional é o termo que melhor se adequa dentro do que é proposto: levar moradia digna para famílias em situação de vulnerabilidade social.

O Minha Casa Minha Vida (MCMV) é um importante programa federal de habitação criado pelo governo, em março de 2009. Ele foi pensado para garantir o direito à moradia, previsto no artigo 6.º da Constituição Brasileira, portanto focando no déficit habitacional quantitativo, de forma a facilitar o acesso à casa própria para famílias de baixa renda que dificilmente conseguem acessá-la através da lógica de mercado. As famílias beneficiárias passam pelo diagnóstico social e de renda e então conseguem porcentagens de subsídio para a compra do imóvel além de juros mais baixos do que os praticados por financiamentos tradicionais. Em dez anos o governo havia entregue mais de 4 milhões de moradias, das 5,7 milhões contratadas.

Como todo programa que se propõe a resolver um problema em escala macro como o da habitação, o MCMV operou com algumas arestas a serem aparadas, como a falta de diversificação dos serviços para atender o público beneficiário e também a falta de flexibilidade das unidades habitacionais, fazendo com que a área dos imóveis não atendesse de forma efetiva configurações familiares com mais de 4 pessoas, por exemplo, e sem ter a possibilidade de fazer reformas como remover paredes ou ampliar ambientes em função do modelo construtivo aplicado. Ademais, praticamente plantas copiadas e coladas nos terrenos, desconsideravam, além das composições familiares, o entorno, localização e demais aspectos individuais de cada lugar.

Contudo, o déficit habitacional brasileiro não é composto somente pela falta de moradia, que corresponde a 5,7 milhões segundo pesquisa da Fundação João Pinheiro 2019 (FJP), mas também por quem vive em coabitação, quem tem custo excessivo com aluguel e quem vive em habitações precárias, este, que soma 24,9 milhões de moradias (FJP).

Na substituição do MCMV pelo Casa Verde e Amarela (CVA) do governo passado, houve a tentativa de integrar a regularização fundiária, locação social e melhorias habitacionais no programa, mas ainda assim não foi efetivo, primeiro, porque o desenho do CVA excluiu os mais pobres do programa, a medida que extinguiu a faixa 1 que correspondia a famílias que recebiam até um salário mínimo e meio, e depois, porque o programa passado não apresentou resultados efetivos nas demais áreas, em principal das reformas.

Falando de melhorias habitacionais, o déficit habitacional qualitativo, que diz respeito a casas com algum tipo de inadequação, é praticamente quatro vezes maior que o número do déficit quantitativo. A falta de uma moradia adequada impacta diretamente no desenvolvimento do indivíduo que ali habita. Um quarto sem estrutura mínima como boa iluminação e ventilação, por exemplo, pode adoecer a mãe que desenvolve problemas respiratórios através de patologias como umidade e mofo, da mesma forma que uma casa sem energia elétrica, não atende a criança que precisa fazer o dever de casa, impactando na sua educação. 

Além de melhorias internas, o nosso famoso “puxadinho” em alguns casos, é essencial para garantir a privacidade dos adultos e a segurança das crianças, evitando que compartilhem o mesmo quarto, o que é muito comum em famílias de baixa renda compostas por várias pessoas. Desta forma, a ampliação da moradia pode evitar que as crianças presenciem e naturalizem as relações sexuais dos adultos assim estando mais propensas a abusos e à violação sexual por acreditarem ser algo normal.

Em suma, a melhoria habitacional não deve ser tratada como segundo plano. É preciso que o governo enxergue o que já está sendo feito neste setor, de forma nacional e independente, tire do papel e inclua de fato nas políticas públicas para que os gestores viabilizem a efetivação da Lei da Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social nos municípios e que o penso e as soluções estejam integradas com atores interdisciplinares como arquitetos e urbanistas, assistentes sociais, profissionais da saúde e do direito, para finalmente, garantir segurança, saúde e direito à dignidade humana dos que mais necessitam.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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