Lugares e pessoas

13 de fevereiro de 2023

Aqui, vou discutir como cidades, espaços públicos e edifícios facilitam ou dificultam o ir, o vir e o permanecer das pessoas.

Quando eu era pequena, chegava na casa das pessoas e pedia logo para ir ao banheiro. Não porque eu realmente quisesse ir ao banheiro, mas porque era uma forma discreta de conhecer a casa delas (nem todo mundo gosta de mostrar sua casa pros outros. Pena).

Na Brasília da minha infância classe média, lavabos não eram comuns, e você precisava ir até o final de um corredor, para onde as portas da cozinha e dos quartos se abriam, para ir ao banheiro. Eu adorava aquilo, olhar para dentro dos cômodos e imaginar como era a vida das pessoas a partir da disposição dos móveis, da presença das coisas, da organização dos espaços.

Era a minha percepção, doméstica e restrita (porque baseada apenas na experiência que tinha com o grupo social ao qual pertencia), da fascinante relação espaço e sociedade.

Essa é uma relação que me interessa até hoje.

A gente pode olhar para os lugares — ou seja, para a arquitetura — de duas formas. A primeira delas é se perguntando coisas como: o que fez com que eles fossem assim? Por que será que foram feitos desse jeito? Quais eram as intenções, desejos, necessidades, condições que resultaram nesse lugar, nesse bairro, nesse prédio? Esse é um campo de estudo importantíssimo, mas não é aquele ao qual me dedico.

Meu foco é na arquitetura depois de pronta, como influente no comportamento das pessoas. Olho para os lugares e busco entender como eles afetam a vida de quem os usa. Afetam, influenciam, facilitam, atrapalham… não determinam!

O atual estágio de conhecimento nos autoriza a dizer que a arquitetura é um campo de possibilidades, ela não nos obriga ou impede de fazer nada. Ela não dita comportamento. Aprendi com meu Mestre, o professor Frederico de Holanda.

O supermercado que eu frequento mudou completamente sua disposição interna, certamente para que eu percorra mais corredores até chegar aonde eu desejo, tendo, assim, a oportunidade de ver mais produtos e comprar mais.

Mas eu sou muito fiel à minha lista de compras, e por isso vou trilhar um longo caminho até os produtos de que eu preciso, e sair sem gastar nada além do que eu já ia mesmo gastar. A arquitetura dificultou meu caminho, mas não me obrigou a consumir.

Há bem uns 15 anos o shopping Conjunto Nacional em Brasília colocou em seu térreo umas floreiras com bordas pontudas, para ninguém se sentar, exemplo clássico e vergonhoso de arquitetura hostil. Mas isso não impede os vendedores ambulantes de dobrarem suas sacolas ou jornais, colocarem em cima e se sentarem assim mesmo. O ser humano é mais.

A arquitetura pode influenciar nossa vida em diferentes aspectos. Nesta coluna, vou discutir como cidades, espaços públicos e edifícios facilitam ou dificultam o ir, o vir e o permanecer das pessoas, e o que isso tem a ver com equidade.

Vou defender que é importante valorizar o pedestre e a mobilidade ativa, pois é se deslocando na cidade dessa forma que se tem a maior oportunidade de compartilhar o mesmo espaço físico com pessoas diferentes, e ajudar a tornar a cidade viva e segura.

Vou falar de urbanidade e de como ela é fundamental para o aprimoramento da sociedade. Vou comentar sobre o que faz um lugar ser tão bacana e frequentado no dia a dia, e outro ficar ermo e abandonado. Vou advogar por ruas, praças e parques bem desenhados, que sejam utilizados por gente, gente variada e gente sempre, no cotidiano.

Esta coluna vai ser minha casa por um tempo. Agradeço ao Caos Planejado pela oportunidade.

(Em tempo, até hoje adoro conhecer a casa dos outros. Se vier à minha, mostro para você.)

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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