Do Inferno ao Céu. A Revolução Socioterritorial que Somos Capazes de Realizar

4 de maio de 2023

“Será isso, apenas a ordem natural das coisas? Será esta nossa terra tão pobre que não ofereça condições de vida decente aos seus habitantes?”

Esse era o porco Major, ao falar para os outros bichos da granja do Solar, que, unidos poderiam ter uma vida melhor. Vamos nos abster sobre o intrigante debate à época promovido por George Orwell, em sua obra A Revolução dos Bichos.

Iremos focar na revolução que podemos fazer em nossas comunidades, assim como Major e depois, Bola-de-Neve, outro importante personagem da fábula, oportunizaram para seus camaradas, transformando pela parceria, força de trabalho e, sobretudo, pelo propósito, a granja do Solar em rancho dos Bichos.

Não podemos deixar de destacar os malefícios de uma “liderança” mal-intencionada, como Napoleão, outro bicho do rancho. E aqui vai também mais uma referência a obra de Orwell: pessoas que se rotulam de representantes de uma comunidade, quando não trazem em si o propósito do bem servir podem usurpar o direito à propriedade, o direito aos benefícios do trabalho árduo, o direito à vida. Existem Napoleões, nas nossas comunidades, nas nossas cidades, na nossa sociedade.

Entretanto, melhor e mais produtivo acreditar na revolução que somos capazes de realizar, quando a boa intenção é a força motriz da transformação social. 

Era domingo à noite e vários perfis nas redes sociais publicavam com orgulho e satisfação, sobre o feito de jovens moradores de uma comunidade — a favela do Inferninho, em Fortaleza, Ceará. Haviam sido premiados, no quadro The Wall, no Domingão do Huck, exibido pela TV Globo. O prêmio iria ser revertido em melhorias para a favela. Não havia assistido ao programa e, a princípio, achei excessivo o alcance dado pela mídia.

Estava equivocada. Recebi um convite para conhecer a comunidade, dada a possibilidade de apoiá-los. Na visita, fui presenteada com lições de planejamento, gestão, governança, marketing e, sobretudo, a constatação de que todos os dias pessoas com bons propósitos estão buscando dar o seu melhor. 

Tudo começou com Rutênio, quando ele e sua família tiveram que sair da rua principal do bairro para ir morar em uma casa no Inferninho. Ele viu sua vida e de sua família mudar. Inconformado com a situação da favela e, com o propósito de melhorar não somente a sua vida, como a vida de sua mãe e da comunidade, iniciou o processo de transformação socioterritorial do Inferninho. 

O que permeia o pensamento de planejadores urbanos, gestores públicos e sociedade, se tornou realidade. Assim surgiu a Pensando o Bem, capitaneada por Rutenio e o amigo Railson, juntamente com Alana, Felipe e outros jovens que saíram do pensar para o agir. Dentre outras transformações, o Inferninho recebeu pintura ou grafite nas fachadas das casas, sala de aula, refeitório, oferta de cursos. Lá, há uma estrutura organizacional que cuida da comunidade. E claro, a mudança do nome para Beco do Céu era mais que necessária.

A Pensando o Bem tem como missão “Transformar favelas de dentro para fora, potencializando sonhos com oportunidade e inovação social”. Sim! Favelas, no plural, pois o que aconteceu no agora Beco do Céu, pode acontecer em tantas outras comunidades que necessitam desta revolução.

A Pensando o Bem hoje recebe o apoio de organizações como a Gerando Falcões, que mentora lideranças comunitárias para o crescimento e desenvolvimento de suas áreas, mas precisa de mais promotores, de mais revolucionários que acreditam que com propósito e senso de comunidade podemos transformar outros inferninhos em céu.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Doutora em Urbanização e Políticas Públicas. Atuante nas áreas de Planejamento, Gestão e Governança corporativa e em cidades, na Academia e na Administração Pública. ([email protected])
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