Conheça os parisienses que pagam pequenas fortunas para morar em apartamentos microscópicos
Imagem: Félix Macherez.

Conheça os parisienses que pagam pequenas fortunas para morar em apartamentos microscópicos

Depois de mudar-se para um apartamento extremamente compacto em Paris, o fotógrafo Félix Macherez fez uma série de fotos para conhecer melhor essa realidade.

27 de junho de 2015

Antes de me mudar para Paris, eu morava no meio do deserto na Califórnia e pagava cerca de US$ 250 (R$ 780) mensais por uma casa de seis quartos. Antes disso, morei em Réunion Island — um lugar onde a mera noção de viver entre quatro paredes quase não existia.

Faz cerca de um ano e meio que me mudei para a capital francesa, onde atualmente alugo um apartamento extremamente compacto que me custa uma pequena fortuna. Tento ficar fora de casa o máximo possível porque, quando estou no meu apartamento, sinto como se as paredes estivessem grudadas na minha pele. Viver assim me deu a ideia de fazer uma série documentando o que os franceses chamam de Chambres de Bonne, ou “quarto de empregada”.

Os quartos de empregada são espaços pequenos no último andar de prédios de apartamentos que foram divididos em pequenos estúdios. Eles apareceram em Paris por volta de 1830 e eram um grande exemplo da hierarquia social da cidade: os ricos viviam em grandes apartamentos nos andares mais baixos, enquanto os servos moravam em quartos bem mais humildes escada acima. Hoje, esses quartos de empregada geralmente são alugados por jovens estudantes sem muito dinheiro ou pela classe trabalhadora baixa. Muitas vezes, esses quartos têm exatamente a metragem mínima autorizada pela lei francesa: uma área de 8,91 metros quadrados. Curioso em conhecer o tipo de pessoa que mora nesses quartos hoje em dia, pedi a alguns amigos e vários estranhos para visitar a casa deles e conversar sobre a quantia exorbitante que eles pagam para viver aqui.

Cathé

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Cathé, uma estudante, no seu quarto de 9 metros quadrados. Ela paga U$550, excluindo as contas. (Imagem: Félix Macherez)

Cathé veio do Uruguai. Ela vive em Paris há cerca de quatro anos e se formou este ano em Artes. Ela decidiu ir morar no Sudeste Asiático no ano que vem porque, pois ela acha que em Paris “as pessoas correm mais rápido que o próprio tempo, tudo caminha muito rápido, tenho de sair desse tornado”. Faz um ano que a conheço, mas essa foi a primeira vez que visitei a casa dela. Vendo as imagens psicodélicas nas paredes entendi por que a personalidade dela é realmente muito relax para uma cidade como Paris.

Arnaud

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Arnaud, estudante, no seu apartamento de 10 metros quadrados no sétimo andar. Ele paga U$ 400 excluindo as contas. (Imagem: Félix Macherez)

Logo me vi dentro do jogo: eu queria ver como era cada chambre de bonne, saber quem vivia dentro desses espaços e como cada um organizava seu canto. Arnaud foi o terceiro locatário que fotografei no dia. Esse cara tem duas paixões na vida: baladas e escalar. O acesso fácil ao telhado foi decisivo para que ele assinasse o contrato de aluguel. Os telhados de Paris são tão bons para escalar quanto para tomar umas cervejas. Esse dia ele não tinha cerveja e ficamos com preguiça de fazer uma viagem de sete andares para comprar alguma coisa, então fomos passear nos telhados usando tênis de escalada.

Johanna

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Johanna, estudante, no seu apartamento de 12 metros quadrados no nono andar. Ela paga U$530 excluindo as contas. (Imagem: Félix Macherez)

De todas as pessoas que visitei, Johanna era a mais bem instalada. Seu estúdio parece maior que 12 metros quadrados: é bem ajeitado, com um pé direito alto e uma janela grande que ilumina bem o ambiente. Ela também pode jantar no telhado com uma vista incrível da cidade, exatamente o que fizemos antes de eu fotografá-la.

Dominique

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Dominique no seu apartamento de 9 metros quadrados no quarto andar. Ele é o proprietário.
(Imagem: Félix Macherez)

O esquema espacial muda conforme a idade dos habitantes: quanto mais envelhecemos, mais temos coisas. Mas na situação do chambre de bonne, o minimalismo é preferível à acumulação de objetos. Dominique foi o sênior dessa série, então eu estava contente de ver o estúdio dele. Ele é ilustrador que faz vários pequenos trabalhos por fora para ganhar um dinheiro extra. Ele me explicou que comprou seu mini studio alguns anos atrás. Para ele, alugar é “jogar dinheiro num buraco infinito”. Ele reformou todo o espaço e conseguiu até colocar uma banheira em seus 9 metros quadrados. Ele me contou com orgulho que frequentemente assiste televisão enquanto toma banho.

Clara

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Clara, que trabalha de “au pair”, no seu apartamento no terceiro andar de 10 metros quadrados. (Imagem: Félix Macherez)

Clara é uma au pair sueca apaixonada por moda. A situação dela é réplica “arrumada” da hierarquia social de 1830: ela trabalha para os proprietários ricos que moram no primeiro andar de seu prédio. Ela não paga aluguel mas, em contrapartida, tem de cuidar das crianças da família de quem recebe um lugar pra morar — e alguns trocados.

Ghislain

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Ghislain, estudante, no seu apartamento de 10 metros quadrados no quinto andar. Ele paga U$550 excluindo as contas. (Imagem: Félix Macherez)

Ghislain achou OK eu tirar uma foto do lugar, mas perguntou porque eu realmente precisava que ele aparecesse — ele não gostou muito em fazer parte desta série. Eu respondi que eu gostaria que os moradores estivessem presentes. Na verdade, acho que a série não teria funcionado sem pessoas para personificar os espaços: sem ele, seu quarto seria tão tocante quanto uma foto de um hotel ruim.

Roksana

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Roksana, que trabalha como recepcionista de hotel, no seu apartamento de 8 metros quadrados. Ela paga U$585. (Imagem: Félix Macherez)

É ilegal alugar um quarto com menos de 9 metros quadrados — mas a lei permite a locação de um quarto com menos 9 metros quadrados se o seu volume tenha pelo menos 20 metros cúbicos. Esse era o caso aqui, que parecia mais uma jaula humana. Nestas condições, cada centímetro do espaço deve ter uma função útil. Roksana é polonesa e adora cozinhar e receber gente, mas sua quitinete não a permite entrar em qualquer tipo de fantasia culinária. Seu quarto é pequeno demais até para receber duas pessoas.

Anca

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Anca, jornalista, no seu apartamento de 17 metros quadrados no quinto andar. Ela paga U$670 excluindo as contas. (Imagem: Félix Macherez)

Anca é norte-americana. Ela estava aqui procurando trabalho quando achou esse apartamento “por sorte”. Fui na casa dela antes do trabalho, às 9 e meia da manhã. Seu quarto era o mais espaçoso entre todos que eu fotografei Dos quartos que fotografei, o dela era o mais espaçoso. Eu mesmo me surpreendi e soltei algo do tipo: “Caramba, 17 metros quadrados, você tem sorte”.

 

Victorienne

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Victorienne, que trabalha de modelo, no seu apartamento de 14 metros quadrados no quarto andar. Ela paga U$670. (Imagem: Félix Macherez)

Logo notei a disposição meticulosa — senão perfeita — das coisas de Victorienne. Me sentei numa cadeira com muito cuidado pra não estragar o arranjo, e tomamos juntos um chá. A organização era perfeitamente simétrica: era a atmosfera que eu queria guardar. Falei do meu projeto fotográfico em maior detalhe, ela logo entendeu o que eu queria e se sentou na sua cama segurando a xícara de chá que ela tinha nas mãos.

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